MINHA POBRE "GALINHA DOURADA"
Sempre soube que a escultura que fica no fim da primeira
rampa de acesso ao auditório Simon Bolívar do
Memorial da América Latina era a Pomba de Ceschiatti, que tem uma
história
A convite do arquiteto
Oscar Niemeyer, de quem foi colaborador constante, o escultor Alfredo Ceschiatti executou para o
Memorial um de seus últimos trabalhos, pois faleceu em agosto de 1989.
Pousada na curva da rampa do imenso foyer espelhado do Auditório Simón Bolívar,
a Pomba de Ceschiatti está preste a alçar vôo. Fundida em bronze, ela tem 2,20m
de altura e envergadura de 3,00 m. Sua revoada levará a mensagem de paz por todo
o Continente. Entre as outras obras do artista, destacam-se os anjos suspensos
da catedral de Brasília.
Mas,
em Arte Contemporânea a interpretação é sempre do observador e a minha primeira
impressão, em 1989, era que não podia ser pomba. Muito gorda. E adotei minha
expressão “galinha dourada” para identificá-la. Me perdoe Alfredo Ceschiatti.
Hoje,
neste final de novembro de 2013, na terrível angústia que causou a destruição
do Auditório Simon Bolívar, a pequena alegria é saber que a minha “galinha
dourada” não sofreu dano. Só testemunhou tristemente a destruição do resto.
Em
31 de março de 2008 postei um texto sobre uma visita ao Memorial da América
Latina. “Muita água rolou debaixo da ponte “de lá para cá, mas certas
considerações são básicas, foram relembradas e vale a pena transcrever parte da
postagem”.
“O
Memorial já tem quase 20 anos. Foi inaugurado em 1989 durante o governo de
Orestes Quércia. Como todo governante ele quis deixar para a cidade a sua marca
em uma obra faraônica. Aliás, todos têm essa mesma ideia. Aí convocou Niemeyer,
já com 82 anos e muita fama. Deu-lhe muito espaço que foi totalmente arrasado
ficando uma “mesa” plana de cerca de 80 mil metros quadrados (cerca de sete
campos de futebol). E aí o arquiteto distribuiu as várias construções: Salão de
Atos, Biblioteca, Pavilhão da Criatividade, Auditório Simon Bolívar, Galeria
Marta Traba,... E outras que foram sendo terminadas e utilizadas.
Frequentei
muito o Memorial a partir de 1989 quando a Orquestra Sinfônica do Estado de São
Paulo se apresentava no auditório Simon Bolivar. Então conheci bem esse local e fui conferir
alguns dados.
E eu me
dei conta que não me lembrava do tamanho absurdo do imenso foyer com as rampas
de acesso. Muito muito grande.
Fui
conferir o que eu sempre chamei de “galinha dourada” Não me lembrava que ela
fosse tão grande. Ficou esse tempo toda na minha memória como caracterizando
esse espaço. Continuará sendo “galinha dourada” porque é amarela porque é de
bronze e é gorda parecendo mais uma
galinha do que pomba.
Quando o
auditório foi construído, o palco era cercado pela plateia em
toda a volta. Visão megalomaníaca inspirada em teatros europeus, onde o publico
realmente lota as acomodações. Não era o nosso caso. A orquestra ensaiou várias
posições e sempre ficava de costas para uma parte da plateia que “pingava”. E a
acústica era ruim. Por quê? Não sabíamos.
Só não
ouvíamos direito. E então nos demos
conta em um dos concertos que foram colocadas caixas acústicas enormes. Causou
arrepios: CAIXAS ACUSTICAS EM UM CONCERTO!!!!
Contornando
o problema, do tamanho da plateia, o
palco e a plateia foram divididos ao meio e aí sim ficou de tamanho adequado. O
uso das duas partes só em shows populares.
Em uma
bela perspectiva publicada pela Folha de São Paulo é visível a
distribuição comentada.
Em uma
das laterais do auditório há um painel, um mural de aproximadamente 800 metros
quadrados de Tomie Ohtake. Lindo, com quatro cores de tapeçaria, privilegiando
curvas em um desenho com unidade visual.
Ao dividirem palco e plateia, também dividiram o painel, tirando toda a
unidade. Sempre me incomodou esse detalhe.
Em uma
das apresentações da orquestra, ainda no começo da década de 90, notamos
retângulos pretos, horizontais na
tapeçaria. Fariam parte dela? Não parecia. Era discrepante. Curiosos,
perguntamos. E a resposta: eram saídas do ar condicionado recortados na
tapeçaria. Intervenção completamente
anômala.
Minha
visita de 2008 foi mais do que uma constatação de fatos de um tempo quase de
inauguração, uma volta ao passado pessoal, de um tempo de boa musica em que o
grande Eleazar de Carvalho comandava uma Orquestra Sinfônica do Estado que não
tinha morada fixa, mas tinha já uma
garra que continua até hoje.”
Não havia
lugares numerados e os expectadores se reuniam no grande foyer para conversas e
um cafezinho. Próximo do horário do espetáculo todos se acumulavam na entrada
da rampa e um mar de gente subia, olhava a “galinha dourada” fazia uma curva
fechada e adentravam ao auditório. Parecia o que acontecia nos cinemas pelas
décadas de 50, onde nas antessalas cheiíssimas
se esperava a abertura das portas
e a avalanche se assemelhava a um
“estouro da boiada” como se dizia na época.
Flashs de
memória à parte, voltamos a 2013, num fim de semana do fim de novembro:
incêndio destrói o auditório. Um ícone de São Paulo que desaparece. Grande tristeza.
Detalhes, todos os jornais e revistas da
época publicaram.
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