REPUBLICANDO CRÔNICA DE LOURENÇO DIAFÉRIA EM 1996
Pode-se republicar uma crônica de 1996 quando ela é
atualíssima? Acho que sim, desde que se dê o crédito a seu autor.
Lourenço
Diaféria - (São Paulo, 28 de agosto de 1933 — São Paulo, 16 de
setembro de 2008) foi um contista, cronista e jornalista brasileiro.
Na Folha de são Paulo começou como
cronista em 1964,
quando escreveu seu primeiro texto assinado.
Permaneceu
no periódico paulista até 1977, quando foi preso pelo regime
militar devido ao conteúdo da crônica Herói. Morto, Nós considerado
ofensivo pelas Forças Armadas. Tem sua
coluna censurada, e é processado. Três anos depois, é absolvido desse processo
e volta a escrever.
Suas
crônicas são sempre de acontecimentos do momento, tem humor, “critica” sutil e
uma maneira gostosa de ser lida.
E então, estou republicando uma crônica de Lourenço Diaféria : ela cabe certinho no nosso cotidiano. Boa lembrança
a de Evangelina que quis compartilhar comigo essa bela crônica. Na sequência e
eu compartilho com, “o mundo".
Aqui
vai ela:
CLIMA,
OFERECE- SE...
Lourenço
Diaféria
( crônica publicada noFOLHA DE
SÃO PAULO em 1996)
NINGUÉM CONSEGUE ENTENDER O
CLIMA PAULISTANO. DEVE SER FALTA DE BOA ADMINISTRAÇÃO.
Estava este tonto sentado no sofá, esperando as
boas notícias do telejornal da noite, o apresentador anuncia a novidade: uma
empresa estatal do RJ havia sido vendia, em leilão, com lances lacrados, para
um grupo de empresas particulares. Quando o leiloeiro bateu o martelo na mesa
do pregão, houve como que uma confraternização. Sorriso, abraços, euforia.
Alguém deve ter feito um bom negócio. Entre os compradores, um grupo português
e um grupo chileno. Os portugueses, tudo
bem. Os portugueses sempre apostaram no Brasil, mandaram caravelas em 1500.
Penso que nós, brasileiros, devemos um mínimo de gratidão aos patrícios de
Pedro Alvares Cabral, afinal de contas o pau-brasil somente conseguiu mercado
internacional graças à iniciativa lusitana. De modo que, se temos uma empresa
estatal que não esteja dando bons resultados
econômicos e financeiros, nada mais justo, que vende-la aos portugueses.
Eles saberão como reergue-la e fazê-la prosperar.
Porém, não atino com a presença dos chilenos no
leilão. Nossas relações com os chilenos não são tão cordiais assim. Nunca
tivemos no Brasil um rei chileno, mesmo caravela chilena, nunca ouvi dizer que
houve alguma enfrentando nossas calmarias marítimas. O Chile nunca deu
presentes para nossos índios. Ao contrário, só nos criou problemas com o
goleiro Rojas. Então por que o Chile se interessa por uma empresa estatal
brasileira? Será que eles querem limpar a barra perante e história e se fazer
de bonzinhos?
Já me tentaram dar explicações. Alguém disse que,
no mundo moderno, as fronteiras geográficas são dissolvidas pelo poder
econômico internacional. E o poder geoeconômico, que pode ser sintetizado pela
palavra dinheiro, em seu sentido mais difuso não tem uma pátria. De modo que um
grupo chileno não significa necessariamente que seja constituído por chilenos,
ou seja, por bebedores de pisco. São investidores. E o investidor aqui e em
qualquer parte, não precisa apresentar certidão de nascimento. Basta ter um
crachá e saber fazer negócios.
Então o BRASIL deve aproveitar a maré e fazer
também um bom negócio. Sugiro que o GOVERNO venda para a iniciativa privada,
para os grupos internacionais, o CLIMA PAULISTANO. É possível que os chilenos não se interessem,
mas os chineses, bem conversados, poderiam dar o lance. O CLIMA PAULISTANO,
como a VIA DUTRA, a COMPANHIA VALE DO RIO DOCE, antigamente funcionavam muito
bem. Ninguém pensaria desfazer-se
deles. Mas de uns tempos para cá o CLIMA PAULISTANO vem dando mancada atrás de
mancada. Ninguém consegue entende-lo.
Deve ser falha de uma boa administração. No momento que escrevo esta
crônica, oferecendo à venda o CLIMA PAULISTANO e convocando possíveis
interessados, fico na dúvida se devo deixar à disposição do público todos os
segredos do mesmo. Sim, o CLIMA PAULISTANO oculta em seu seio peculiaridades
que o tornam único e insuperável, como fonte de dissabores. Os únicos que elogiam
são os farmacêuticos.
Todo clima normal tem quatro estações básicas: primavera, verão, outono e inverno. O CLIMA PAULISTANO vai além, tem o verão quente, o verão morno, e o verão que ninguém aguenta. O outono oferece o outono de meia estação, de alta estação e o outono imperceptível. O inverno pode ser frio, mais frio, bem frio enregelante e tépido. A primavera, esta nossa PRIMAVERA PAULISTANA, é típica. Tem flores, passarinhos, namorados, chope, gripe e pneumonia.
O CLIMA PAULISTANO é um no LIMÃO, outro no
BUTANTÃ, outro na CIDADE UNIVERSITÁRIA, outro na PRAÇA RAMOS DE AZEVEDO, outro
na CONSOLAÇÃO, outro na VILA DAS MERCÊS, outro no MORUNBI, outro na PERIFERIA.
Muda a temperatura de quarteirão em quarteirão, de esquina em esquina, de
escritório em escritório. Poder estar chuviscando no VIADUTO DO CHÁ e fazendo
sol em SÃO MATEUS. O CLIMA PAULISTANO está acima, aquém, além das previsões
meteorológicas. O CLIMA PAULISTANO é cheio de truques, mumunhas, artimanhas,
malícias, armadilhas. Está sujeito a espirros
imprevistos, corizas inesperadas, rouquidões insuspeitas e céu azul
completamente fora de propósito. Mesmo quando o CLIMA PAULISTANO ameaça formar-se
em definitivo e tomar juízo, sempre aparece uma frente fria que a ARGENTINA
envia para SÃO PAULO, disfarçada em caixas de manzanas do Rio Negro. Não há
aspirina que aguente esse clima.
Está na hora do GOVERNO desfazer-se do CLIMA
PAULISTANO, que só está dando dores de cabeça à população da cidade. Se nenhum
país do MERCOSUL topar fazer negócio, o GOVERNO deve devolvê-lo aos
portugueses, de graça.
Salve Lourençao Diaféria - Nós os paulistanos te saudamos.
.
.
Comentários