EU E A LEITURA – Neuza uma longeva de 90 anos
LIVRO certamente não foi a primeira palavra que ouvi e nem a que aprendi. Não era da linguagem cotidiana de minha família próxima. Mas, tenho na minha memória e na minha História de Vida que meu pai lia para mim MEUS OITO ANOS -Casemiro de Abreu. Faz parte do meu “círculo de leitura” até hoje. Não tenho referência precisa, mas deve ter sido entre meus cinco e dez anos.
Por
essa época em nossa casa simples só existiam dois livros:
ANTOLOGIA BRASILEIRA (de onde deve ter saído MEUS OITO ANOS) e GEOGRAFIA GERAL, de onde deve ter saído a primeira historinha que
eu me lembro de ter lido: – a de um
menino holandês que salvou sua cidade
quando ficou tapando um buraquinho
no dique que protegia a cidade até
que viessem fechá-lo.
No 4º
ano primário (1940 – 10 anos) eu escrevi um livrinho: com uma folha de caderno
dobrada em quatro escrevi sobre um filme da época “A Princesa da Selva” em que Doroty Lamour usava um “sarong”. E dei à profa.
Maria José Gallet. Ela gostou e me incentivou a continuar a escrever. Não lembro de ter continuado.
Em
1941 meu pai recebeu um livro do Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento em
comemoração a alguma data importante O livro THELMA – A PRINCESA DA NORUEGA
de Maria Corelli. Foi o primeiro livro
que eu li. Um romance. Nunca esqueci de como “construí” na minha imaginação a
Noruega (que eu nem sabia onde ficava) como um país do “sol à meia noite”.
Nota –
desde que comecei a me interessar por Memória para meus trabalhos atuais, lendo
Ivan Isquierdo, neurocientista argentino naturalizado brasileiro e da Universidade
do Rio Grande do Sul, fiquei sabendo que para manter a Memória sempre ativa, o
conselho é LER - LER - LER -LER....... principalmente romances entre os livros
profissionais, porque romances fazem o cérebro montar paisagens, fisionomias,
comportamentos , roupas e mantê-lo sempre em ação.
Nos
anos seguintes – de 1941 a 1947 – quando fiz os cursos Ginasial e Científico,
nunca tive outro livro que não o citado. Estudei no Ginásio Paulistano uma
escola de referência com bons professores não me lembro de LIVROS, nem
didáticos nem de histórias.
As aulas
eram todas expositivas. Tomava-se notas
em um rascunho durante a aula e em casa passava-se à limpo. Professores diferentes usavam uma apostila.
Como nem os professores de Português nos recomendavam livros de boa Literatura ,
nunca li nenhum.
Na
Faculdade – entre 1948 e 1951 os livros usados eram todos caros e se usavam os
da biblioteca. Lembro de apenas um – DA VIDA DOS NOSOS ANIMAIS - Rodolpho von
Ihering, que tive o meu; devo ter
perdido nos anos seguinte e neste 2020 recomprei
como um livro histórico para mim. Mas, é livro de consulta e não se inclui
em Literatura.
Mas,
só a partir de 1951, quando conheci o Ayrton – que entrou na minha vida e nela
ficou 48 anos - conheci também uma família onde cultura transitava pelo
cotidiano. Em sua casa havia LIVROS. Auto de Carvalho - ´pai do Ayrton – era homem
de ler jornal diariamente, de conhecer a coleção completa de Monteiro Lobato (infantil e de adultos), de discutir com o
amigo também culto livros difíceis de Guimarães Rosa.
Nota
-O nome Ayrton vem de um livro de Monteiro Lobato – O PRESIDENTE NEGRO
E em
1951, ainda na Faculdade e para complementar conhecimentos de Anatomia e Fisiologia,
tive um livro NOSSA VIDA SEXUAL – Fritz
Kahn.
Nos10
ou 12 anos seguintes entre casamento, dois filhos e trabalho além das
atividades domésticas agora acrescentadas na minha vida, LIVROS ainda não tinham chegado a mim. E, não
tínhamos espaço físico.
Como professora de Ciências como profissão, comecei a a tomar conhecimento de LIVROS DIDÁTICOS que estavam chegando por leis de Educação que já eram mais exigentes. Mesmo assim eram livros incompletos. Livros de Ciências tinham textos de todos aparelhos e sistemas do corpo humano (digestivo, respiratório, circulatório.......) MENOS Aparelho Reprodutor!!!! Entenderíamos que éramos de Geração Espontânea? Durante muito tempo tive que complementar as aulas dessa Anatomia com meus próprios textos. E fazer muitos desenhos na lousa
Mas, durante meu tempo de professora as novidades foram aparecendo sob forma de revistas em fascículos e a CONHECER, TECNIRAMA... nos ajudavam nas aulas
Paralelamente, nós como casal e com os filhos maiores e prontos para novos conhecimentos, nossa porção LIVROS foi restaurada no nosso cotidiano.
Primeiro
foram as coleções: TESOURO DA JUVENTUDE, BARSA, HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO -Will
Durant, Coleção completa de MONTEIRO LOBATO, JULIO VERNE completa, REALIDADE
desde o número 1 e os livros para nós adultos dos quais tomávamos conhecimento pelos jornais , rádio e
agora também TV.
A
partir da década de 1970 LIVROS entraram também no nosso orçamento e tínhamos
verba mensal para eles. Aos poucos fomos lendo o que tinha de clássico na
literatura brasileira- Machado de Assis, José de Alencar, Joaquim
Manoel de Macedo, Jorge Amado, Zelia Gatai, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e os
Best Sellers estrangeiros (não registrados, mas não falhava nunca os que chegavam)
Ainda
não tinha o hábito de registrar tudo e ficaram só na memória muitos outros
livros.
E aos
nossos livros se juntavam os livros dos filhos que seguiam nossos prazeres
literários.
Mudamos
de casa, os espaços foram reduzidos e muitos livros foram distribuídos. Muitos
ficaram com os filhos que compartilham nossos vícios.
A partir
da década de 1980 tudo mudou. Eu reli muitos e já entrei nos mais atuais que
virão contabilizados a partir de 2000.
As
leituras de Ayrton foram se tornando mais difíceis por deficiência progressiva
da visão e muitas vezes recorremos à Fundação Dorina Nowill que disponibilizava
livros gravados – então em cassetes.
Mas, para a década de 90 comecei a ler para
Ayrton sempre me voz alta. E no meio da leitura sempre paramos para comentários
que nossas cabeças exigiam. Lombroso é creditado como sendo o criador da
antropologia criminal e suas ideias inovadoras deram nascimento à Escola
Positiva de Direito Penal,
E seu último
dia - 2 de março de 2000 – foi de leitura de Vargas Llosa- A GUERRA DO FIM DO
MUNDO quando paramos para comentar sobre Lombroso citado no
texto do livro.
No dia
3 partiu para outros mundos. Encantou-se como diz Guimarães Rosa.
A
PARTIR DE 2000 TENHO REGISTROS MAIS PRECISOS PORQUE CONTINUO COM MEUS DIÁRIOS,
MINHAS AGENDAS, MINHAS PASTAS E MINHAS RETROSPECTIVAS ANUAIS.
Em
todas as RETROSPECTIVAS – anuais a partir de 2000,
há um item para LEITURAS e nele ficam listados todos os livros lidos, identificados,
mas não comentados. Sem tempo material para isso. Em alguns casos, quando são livros
com conteúdo mais específicos acabo fazendo um fichamento
Foi só
consultar as RETROSPECTIVAS somar os livros lidos a cada ano e teremos:
DE 2000 A 2020
FORAM 485
LIVROS LIDOS E REGISTRADOS
Soma-se
a isso Jornais diários, revista Veja durante anos, Revista PESQUISA da FAPESP,
Super Interessante....Revistas de Artes Visuais, Revistas de Música e livros de
outros conteúdos como livros sobre SÃO PAULO para um trabalho - HISTÓRIA DA
CIDADE DE SÃO PAULO ATRAVÉS DE IMAGENS em ppt com 634
slides.
Nestes
últimos 20 anos, quando estive sozinha para os comentários de tudo o que
líamos, sempre tive vontade de ter um Grupo de Leitura. Sempre tem um livro que
se está lendo em que trechos precisam ser
lidos em voz alta, cada um dizer como entende ou sente um trecho. Nunca deu certo.
Frequentava
presencialmente o grupo da Academia Paulista de Letras e era um prazer mensal encontrar os acadêmicos (sempre
poucos) e poder curtir essa companhia. Continuo agora, mesmo
virtualmente. Mas, é pouco, uma vez por mês.
Agora
tenho outro Grupo, o Pedro Bandeira 6.o é semanal. Supre melhor nossas
necessidades culturais.
Para
nós longevas, além do grupo social indispensável nessa fase da vida, dá uma
abrangência maior aos nossos conhecimentos.
Lemos livros que não conhecíamos e nunca pensamos em ler. E
compartilhamos com o grupo as diferentes maneiras de interpretar um conteúdo.
INFORMAÇÕES
COMPLEMENTARES
1 -
Em 2005 o SESC apresentou um evento que durou várias semanas com o nome LEITURA
NAS ALTURAS que acontecia no terraço do Prédio
Martinelli. Um livro de cada vez, um acadêmico
fazia a apresentação didática e em seguida um grupo de teatro lia interpretando partes desse livro. Era permitidos participantes entrarem com
seus comentários. O evento tinha a duração
de duas horas a cada semana.
Programas
bons muitas vezes sugeridos como retorno, nunca voltaram.
2 - Em
2006 havia em uma Estação do Metrô um espaço EMBARQUE
NA LEITURA. Com cadastro feito podia-se retirar
livros com prazo certo de devolução. Li muitos livros desse jeito. Por que não
volta?
3 - Em
2007 em um dos muitos curso de LITERATURA ministrados na Casa das Rosas (Escrevivendo,
Erro ,mas Escrevo........ uma das participantes tinha o meu primeiro livro THELMA – A PRINCESA DA NORUEGA e me emprestou.
Li de novo Quase 70 anos depois nada foi igual, mas serviu para mostrar quanto
a mesma leitura pode ser diferente em tempos diferentes, pessoas diferentes,
formações culturais diferentes, .........E neste 2021 usando das tecnologias à
disposição, tornei a procurar pelo livro e a informação é que pode ser impresso de novo en demand em inglês porque foi considerado importante por transmitir conhecimentos. Outra pesquisa, agora para LIVROS RAROS há
possibilidade de encontra-lo usado. Deixei os dados para quando for
encontrado. Apenas um valor histórico
para mim.
A
procura de novos GRUPOS DE LEITURA
Comentários
Boa tarde!
Gostei muito da sua participação na Jornada da Leitura 6.0 na tarde de ontem.
Acabei de ler o seu texto e ele me trouxe memórias da minha infância e adolescência quando era difícil conseguir livros!
Um abraço virtual carinhoso e que venham mais livros!
Dione
fiquei muito, muito emocionada em conhecê-la, através da Jornada da Leitura. Também assisti a uma entrevista sua em vídeo, e verei outros. E agora cheguei a seu blog. Você, sua pessoa e seu trabalho, são uma grande inspiração!
Fiquei muito interessada no "Resgate de Memórias". Venho escrevendo sobre minha vida, especialmente a infância (até publiquei poemas com histórias de minha infância), mas sem nenhuma orientação. Ah! quero muito aprender!
Fui inspirada pelo escritor González Pecotche, livro "Diálogos", pág. 173: "Quem pensa nessa criança e a contempla através de suas recordações, (...) verá quanto tem que aprender come ela e quanto lhe deve, ..."
Anelo para você muitas e sempre felizes realizações!
"quanto tem que aprender com ela..."