O EDIFÍCIO MARTINELLI - o pai dos arranha-céus de São Paulo
“Suponho que toda grande cidade, pelo
menos no mundo ocidental, ostente um edifício antigo, de gloriosa memória, que
já tenha sido o mais alto, o de metro quadrado mais caro ou o indicador de um
novo índice de progresso. Nas artes e em quase tudo, o moderno ambicioso,
desafiante, criado para impressionar, é o que mais depressa envelhece.
Portanto, esse marcos arquitetônico sempre acaba por se transformar em
trambolhos urbanos, dinossauros enjanelados.
Temos um edifício assim aqui em São
Paulo, construído no final dos anos 20, o Martinelli, então o mais alto da
cidade, do país, da América do sul, e que foi, durante décadas o ápice do
orgulho dos paulistanos. Éramos o maior Centro Industrial da América Latina,
apregoavam os bondes em letras vermelhas; tínhamos café, o corso chique da
Avenida Paulista nos carnavais e o Martinelli, um autêntico arranha-céu,
segundo a denominação daquela época de transição que trocava a influência
tradicional europeia pela norte-americana, de remessa recente, embalada em
filmes e discos” Marcos Rey – O Último
Mamífero do Martinelli – 1993
O Martinelli tem história.
Marco arquitetônico foi destaque
naquele momento inovador, apontou o futuro da edificação da cidade. Com uma
altura de 130 (ou 105) metros, seus 30 andares mudaram a paisagem, a evolução
urbana da cidade para o sentido vertical e a estrutura em concreto armado.
Ocupa meio quarteirão da Rua São
Bento, meio quarteirão da Rua Líbero Badaró e toda a ladeira São João.
Em pleno funcionamento em 1929, o
Prédio Martinelli era um sucesso. Na Rua de São Bento, o famoso Cine Rosário,
barbearias, lojas e o luxuoso hotel São Bento, na Rua Líbero Badaró, com 60
apartamentos de primeira linha que possuíam banheiros privativos e telefones
automáticos; havia também uma escola de dança e residências.
A história do edifício começa com o comendador
Martinelli imigrando para o Brasil em 1888
Giuseppe Martinelli não veio,
como a maioria, para trabalhar na lavoura e sim na cidade. Ele chegou pelo
vapor Santa Maria, tendo desembarcado no Rio de Janeiro, no dia 17 de Janeiro
de 1889. Escolheu o comércio, ramo que oferecia maiores perspectivas de ganhar
dinheiro para um recém-chegado a terras estrangeiras.
Em 1906, Martinelli e sócios já
tinham uma casa bancária em Santos e em São Paulo e começaram a ser procurado
para representar firmas exportadoras italianas. Durante a I Grande Guerra, em 1915, formaram
uma frota própria de navios, para tentar suprir a falta de transporte acarretada
pela guerra.
Assim, em pouco mais de 30 anos,
fizera fortuna, de uma forma que se poderia qualificar de característica do
self-made-man.
A popularidade de Giuseppe
Martinelli, no entanto, veio-lhe, sobretudo da atuação que teve na capital
paulista ao construir o prédio que seria o primeiro arranha-céu da cidade e da
América do Sul.
O local escolhido por Giuseppe
Martinelli para edificar sua torre foi o coração da metrópole do café, uma das
zonas mais movimentadas e elegantes do centro. Na Praça Antonio Prado havia o
Palacete João Bríccola, as sedes dos jornais Correio Paulistano e A Província e
conhecidas confeitarias de luxo, como a Castelões e a Brasserie Paulista, a par
dos bancos e do comércio elegante na Rua XV de Novembro. Nas proximidades, o serviço
dos Correios e Telégrafos.
A construção do edifício demorou
oito anos, sofrendo durante esse tempo, seu construtor algumas dificuldades
financeiras. Não tendo apoio governamental
para terminar a obra, Martinelli foi obrigado a vender ao "Instituto Nacional
de Crédito per il Lavoro Italiano a L'Estero", uma parte de seu
empreendimento. O edifico só foi
inaugurado em 1929 e foi uma declaração de amor do imigrante italiano à cidade
onde fizera fortuna.
O prédio Martinelli foi projetado
para ter 17 andares. Mas, o Comendador
resolveu subir a construção até o 24º andar.
A Prefeitura embargou a obra, mas ele não ligou e prosseguiu na
construção. Diante da insistência do
idealizador a administração municipal convocou uma equipe para testar a
viabilidade dos sete andares adicionais. Foram feitas sugestões quanto aos
materiais mais leves.
Mesmo chegando ao final dos 24
andares, ainda havia desconfiança quanto à solidez do prédio. Para provar que se tratava de uma edificação
robusta, o comendador determinou a construção de sua própria casa no topo – uma
mansão equivalente a mais seis andares.
Foi nessa “cobertura” do Martinelli, que a alta sociedade paulistana
viveu alguns de seus momentos mais glamourosos nas décadas de 20 e 30.
Martinelli em construção
Terraços vistos de cima
Terraços da casa do comendador martinelli - ao fundo Banespa
Martinelli pronto visto da São João - ao fundo Banespa
Martinelli e a cidade em 1939
Três gigantes do centro de S ão Paulo - Banco do Brasil Banespa- Martinelli
vista do vale do Anhangabaú
Em 1932, os terraços, pela sua posição
privilegiada abrigavam uma bateria de metralhadoras antiaéreas para defender
São Paulo do ataque dos chamados “vermelhinhos”, os aviões do governo da República
que sobrevoavam a cidade, ameaçando bombardeá-la. Felizmente não se repetiu o
que tinha acontecido na revolução de 1924.
Em 1936, quando da vinda do
dirigível Hindenburg para São Paulo, foi ao redor do Martinelli que ele
sobrevoou. E Mário de Andrade escreveu sobre isso: ” E o Zeppelin veio provar pra São Tomé o
sofisma gracioso de que uma casa de um andar (altura do dirigível) pode se mais alta que o Martinelli”
Durante a Segunda Guerra Mundial,
com o rompimento das relações do Brasil com a Itália, o prédio passou para as
mãos da União e passou a se chamar Edifício América. Mas, ficou conhecido
sempre como Martinelli.
Quase meio século depois de ser
inaugurado, e depois que passou para as mãos do governo, o abandono e a
ocupação desordenada mudaram o aspecto e o cotidiano do prédio. E em 1945 o
prédio sofreu a primeira reforma com remodelação de pare de sua estrutura.
Por descaso das autoridades, o
Prédio Martinelli transformou-se em um imenso cortiço, onde se improvisavam
vários cômodos que abrigavam enorme número de famílias. Era ocupado por escolas
de dança, boates, academias de baixo padrão, profissionais liberais não tão bem
sucedidos, salão de bilhar, escritórios de pequenas firmas, cassinos
clandestinos maquiados de clubes e toda uma ocupação menor. Nos anos 60 foi
cenário de um crime nunca desvendado: o assassinato do garoto Davilson,
violentado, estrangulado e jogado no poço do elevador.
Em 1975 iniciou-se nova reforma por
protesto da imprensa e apelo popular. O
prédio voltou a ser valorizado e tombado em 1992 pelo DPH. Agora abriga setores
da administração pública.
Uma reforma feita pelo Sindicato
dos Bancários de São Paulo foram descobertos vários afrescos e pinturas
originais da época.
O Martinelli só perdeu sua
posição de prédio mais alto da cidade 10 anos depois com o edifício sede do
Banespa, com 36 andares.
A parte externa do Martinelli é
toda de pedras rosadas trazidas da Itália. No interior, mármores de Carrara
cobrem os pisos e os 1057 degraus. As ferragens são inglesas, as portas de
pinho-de-riga; tem 2330 janelas e 1880 salas e apartamentos.
Texto
montado em 2005 com pesquisas de Internet, revistas, livros e jornais da época.
–
Comentários