DE SÃO PAULO -3 -O MONUMENTO QUE A CHUVA LEVOU
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Transcrição do artigo de O Estado de São Paulo – 31/08/2008
É um
artigo de Alex Solnik publicado em O Estado de São Paulo, caderno
Cidades/Metrópole em 31 de agosto de 2008.
Eu
estava conversando com Mauris Warchavchik sobre alguns episódios do passado de
São Paulo, quando ele se lembrou de algo peculiar”. “O senhor conhece a
história do Monumento do IV Centenário?” Perguntou ele.
Eu não me lembrava. Do símbolo do IV Centenário, sim; do monumento, não. Mas são no fundo a mesma obra. Espiral é o seu nome. A verdadeira história de sua construção e do que aconteceu com ela foi contada, pela primeira vez, naquele dia, por ele.
“Nunca
contei, mas agora vou contar o que aconteceu. ” Mauris se lembra do dia em que
Ciccilo Matarazzo procurou seu pai, o famoso arquiteto Gregori Warchavchik. E
da frase que proferiu:
“Estou
desesperado! Não consigo construir o monumento - símbolo do IV Centenário!”
Faltavam
dois meses para o evento mais esperado da década. O ponto alto
dos festejos do IV Centenário seria a inauguração do Parque do Ibirapuera.
E a principal efeméride da aberturado parque, a inauguração do monumento.
O projeto de Oscar Niemeyer canta Mauris, muito bonito, previa a construção de
uma haste – em torno da qual havia uma espiral – com inclinação de 45 graus. O
que seria inexequível para os engenheiros consultados.
Gregori
delegou a tarefa, então ao seu sócio, Walter Neuman. “Ele vai resolver seu
problema” prometeu a Ciccilo. Neuman também achou inexequível colocar a haste
naquela inclinação, mas apresentou uma saída.
“Vamos colocar a haste a 60 graus sem contar pro Niemeyer. Ele não vai
perceber”.
Ciccilo
concordou. E se acalmou. Estava sob forte pressão. Seu maior crítico era Jânio
Quadros, que já o fustigara como deputado estadual – Ciccilo presidia a
comissão dos festejos do IV Centenário desde 1951. “Não pode
aparecer como um dos dirigentes da comemoração um casal em situação
irregular com a Santa Madre Igreja” disse Jânio, aludindo ao fato de Ciccilo viver
com Yolanda Penteado, separada do primeiro marido.
Empossado prefeito
em março de 1954, Jânio encontrou em Ciccilo o inimigo ideal. Ninguém
melhor para simbolizar o “milhão” contra o qual Jânio lutava, na condição de
“tostão”. Ciccilo não tinha a fortuna do primo, o conde Francisco Matarazzo
Junior, que faturava 3 bilhões por ano com suas 300 empresas, ante 7
milhões arrecadados pelo governo de São Paulo, mas servia. Era dono da
Metalúrgica Matarazzo e o maior mecenas da cidade
Neuman
passou a supervisionar a obra, cuja execução foi entregue a uma construtora, a
mesma que estava erguendo um dos edifícios do parque, a futura sede do Detran.
Num
certo fim de semana, Mauris, então com aproximadamente 30 anos, atende o
telefone no escritório do pai, com quem trabalhava “O negócio está
desmoronando” ouve, do mestre de obras.
Chamado
às pressas Neuman constata, na segunda feira, o grande erro. Os pedreiros em
vez de cobrirem a espiral com dois centímetros de concreto, como especificado,
cobriram com quatro centímetros. Muito peso. A espiral veio abaixo. E levou a
haste para o chão.
Faltavam
dois dias para a grande festa. Ciccilo não podia saber, o risco de enfarte
seria grande. Neuman mandou comprar juta e gesso.A haste foi levantada, a
espiral colocada em seu lugar e o conjunto envolvido em juta e coberto com
gesso.
A
inauguração foi um sucesso. Há uma foto que mostra o momento em que as
autoridades se dispersam, no final da cerimônia. Além das sempre
presentes “autoridades militares e eclesiásticas, estão lá o
prefeito Jânio Quadros e o governador Lucas Nogueira Garcez, nem tão
próximos assim, sem se abraçar ou se cumprimentar, mas estão lá.
“Seis
meses depois” conta Mauris, “fortes chuvas derreteram a juta e o gesso,
deixando a estrutura de ferro exposta. Em pouco tempo deve ter
enferrujado. E, então alguém, não sei quem, deve ter mandado jogar fora o que
um dia foi o monumento- símbolo da maior festa de São Paulo de todos os
tempos.
As
fundações, acredita ele, estão até hoje enterradas em algum ponto em frente à
marquise, na Avenida Pedro Álvares Cabral.
Não
é difícil supor que Jânio, então governador, dada a ojeriza que demonstrou pela
construção do parque, tinha o maior interesse em sumir com o monumento. Em
entrevistas, Jânio comparou “as luzes e fogos do Ibirapuera” com a “noite
da Ilha Fiscal” (a derradeira festança da monarquia, no Rio e alardeou: ”
Encontramo-nos no fundo do poço e parece que existe quem deseja promover um
baile nele”.
Há,
no entanto, uma saída. O monumento pode ser reconstruído. Mauris já foi
procurado por técnicos da Prefeitura, informados sobre o seu relato, publicado
pela primeira vez na revista K, um house-organ da construtora Klabin-Segall,
produzido pela editora S.A.X.
“Com
os materiais de hoje, vai ser possível inclusive, obter a inclinação de 45
graus, como está no projeto original” pondera Mauris Warchavchik, que se
diverte com a confusão da imprensa.
“De vez em quando aparece uma notícia no jornal assim: ” E o monumento do Quarto Centenário, que nunca foi construído? ” Foi construído sim, mas em gesso e juta”.
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