UM TEXTO ATEMPORAL - Do livro NEM CÉU NEM INFERNO – ENSAIOS – JORGE CALDEIRA – 2015
Jean
de Léry Filho de
pais protestantes, modesto sapateiro, estudante de teologia e discípulo do
mestre Calvino, Lery viu-se obrigado a abandonar o Velho Mundo devido às
disputas religiosas entre católicos e protestantes e pelas novas possibilidades
da França Antártica, na época uma colônia francesa na Baia de Guanabara, atual
estado do Rio de Janeiro. Léry chamava a nova terra de América de Terra do
Brasil.
A sua obra Viagem
à Terra do Brasil editada pela primeira vez em 1578 na
Europa é uma importante fonte de informações acerca da parte inicial do período
colonial do Brasil, dos primeiros contatos dos povos Europeus com os povos
Ameríndios e do contato da Europa pós-medieval no século das Grandes
Navegações.
Léry conversava com os índios brasileiros intermediado
por negociantes já fixados e essas
conversas são aqui transcritas:
“Quanto ao pau-brasil, direi que
tem folhas semelhantes ao buxo, embora de um verde mais claro, e não dão
frutos. Quanto ao modo de carrear os navios com essa mercadoria, direi que,
tanto por causa da dureza, e consequente dificuldade de derrubá-la, como por
não existirem cavalos, asnos ou outros animais de carga para transportá-la, é
ela arrastada por muitos homens. Se os estrangeiros que por aí viajam não
fossem ajudados pelos selvagens, não poderiam nem sequer em um ano, carregar um
navio de tamanho médio
Os selvagens, em troca de algumas
roupas, camisas de linho, chapéus, facas, machados, cunhas de ferro e demais
ferramentas trazidas por franceses e outros europeus, cortam, serram, racham,
atoram e desbastam o pau-brasil, transportando-o nos ombros nus às vezes por
duas a três léguas de distância, através de montes e sítios escabrosos até
chegarem à costa, junto aos navios ancorados, onde os marinheiros os recebem.Em verdade, só cortam o pau-brasil depois que os franceses e portugueses começaram a frequentar o país.Anteriormente, como me foi dito por um ancião,derrubavam as árvores deitando-lhes fogo.
Esse ancião tinha também suas
inquietações.
“ Os nossos tupinambás muito
se admiraram dos franceses e outros estrangeiros se darem ao trabalho de ir
buscar os seus arabutãs.
Uma vez, um velho
perguntou-me:
“Por que vindes vós outros,
mares e peros (franceses e portugueses) buscar lenha de tão longe para vos
aquecer? Não tendes madeira em vossa terra? “
Respondi que tínhamos muitas,
mas não daquela qualidade, e que não a queimávamos como ele supunha, mas dela
extraíamos tinta para tingir, tal qual o faziam eles com os seus cordões de
algodão e suas plumas.
Retrucou o velho
imediatamente:
“E por ventura precisais de
muito?
Sim respondi-lhe, pois no
nosso pais existem negociantes que possuem mais pano, facas, tesoura, espelhos
e outras mercadorias do que podeis imaginar e um só deles compra todo o pau-brasil
com que muitos navios voltam carregados.
Ah retrucou o selvagem:
“Tu me contas maravilhas (...),
mas, esse homem tão rico de que me falas, não morre? ”
Sim, disse eu, morrem como os
outros.
Mas os selvagens são grandes
discursadores e costumam ir em qualquer assunto até o fim, por isso me
perguntou de novo:
“E quando morrem, para quem
fica o que deixam? ”
“Para seus filhos se os tem.
Na falta destes, os irmãos ou parentes mais próximos”
“Na verdade, agora vejo que
vós outros maíres sois grandes loucos, pois atravessais os mares e sofreis
grandes incômodos, como dizeis quando aqui chegais, e trabalhais tanto para
amontoar riquezas para vossos filhos ou para qualquer que sobrevive. Não será a
terra que vos nutriu suficiente para alimentá-los também? Temos pais, mães e filhos a quem amamos, mas
estamos certos de que depois da nossa morte, a terra que nos nutriu também os
nutrirá, por isso descansamos sem maiores cuidados”.
Quase cinco séculos depois, a
sabedoria dos nossos indígenas tem lógica, ainda nos dá lições.
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