MAIS UM PEDAÇO DA MINHA VIDA


ENCONTROS CULTURAIS são reuniões de um grupo de idosos ou não tanto, que, sob a liderança do prof.Terron  acontecem às sextas feiras à tarde,  na USP. É o nosso dia da semana muito esperado.
Neste semestre, a cada semana há um filme diferente, ligado à música, com  direções, apresentações também diferentes. Depois do filme, um café  com “bolinho” de socialização, prepara para os comentários.
Nesta sexta, 06 de agosto de 2010, inaugurando  o segundo semestre, e os 200 anos do nascimento de Chopin, o filme foi “À Noite Sonhamos”.

Para mim, um filme vale por um conjunto de  caracteristicas: pela época que representa, pelo contexto politico e social onde o enredo acontece, pela relação  com artes plasticas, literatura, musica e caracteristicas fisicas do  “mocinho” do filme.  Técnicas de filmagens, fotografias, iluminação servem de apoio. O filme também vale pelo “meu” contexto social, pelo que ele significou na minha vida, como resgatei a memória desse tempo, como eu era emocional e fisicamente. Como era minha vida familiar então.

Tudo isso junto fez do filme “À Noite Sonhamos” “o” filme precioso na minha vida, que eu assisti 8 vezes incorporando cada diálogo, cada musica e cada nota.Esse filme  e “Fantasia enchem meu universo cinematografico. São  lições  de História, de musica, de arte, de literatura, de  contexto  familiar e de mundo.
 Pela soma dessas vivencias todas aprendi muito .

Embora seja uma produção de 1945, “À Noite Sonhamos”  deve ter chegado a mim por volta de 1946, 1947, eu com 16 ou 17 anos e tinha quase que acabado de tomar contato com o primeiro piano em minha vida. Era de umas amigas que moravam a dois quarteirões de casa, na mesma calçada  e onde eu podia ir sempre,  porque não precisava  atravessar a “perigosa” rua Silva Bueno, no Ipiranga.  Me encantei e com sacrificios dos meus pais comecei a ter umas aulas de piano  muito primárias, com métodos usuais da época, (sonatinas de Clementi)  e  os primeiros dedilhados. Aulas em casa de familia, onde a moça estudava piano e repassava o que ia aprendendo.

O filme  “À Noite Sonhamos” foi visto pela primeira vez no cine Dom Pedro I, na “importante” rua Silva Bueno, dois quarteirões mais proximo do final da rua, no  Sacomã.  Iamos toda semana ao cinema. Era  a rotina, a distração e o passeio  da época, então só no  bairro, a pé.  
Sabe-se que o filme é romantizado, tem licenças poéticas mas a música é sempre chopiniana, conheço cada nota e um tempo conseguia até acompanhar com a partitura.

Não foi da primeira vez que consegui captar tudo do filme mas hoje posso dizer que ouvi Mozart tocado por Chopin menino, a performance admirável de Paul Muni como o professor distraido arrastando os chinelos pelo barro para chegar a quem  ele já sabia ser um   gênio.
Chopin era um menino  na Polonia  eslava, quando o país era uma monarquia hereditária desde o século XVIII, país  partilhado entre Rússia, Prússia e Áustria. Patriotismo de adolescente lhe causava problemas visiveis nas suas composições  (Estudo Revolucionário, Polonáises) Nascido em 1810, aos 20 anos vai para Paris.

Paris era o centro cultural da Europa e lá estavam reunidos os maiores  representantes  da Literatura, Artes Visuais e Música.  Migrando para o grande centro, Chopin foi contemporâneo  e conviveu com  Mendelssohn, Liszt, Schummann,no universo da música; com Delacroix (A Liberdade Guiando o Povo) nas Artes Visuais;  com Honoré de Balzac (A Condição Humana) , com Victor Hugo (Os Miseráveis) e com Alfred Musset (poeta) na literatura. No filme, na grande sala Pleyel Chopin tocou  com List em uma cena antológica,  a Polonáise, em que um toca a melodia e outro a harmonia para que possam se dar as mãos.
E  ainda no filme, o magnifico Scherzo é tocado quando Chopin substitui Liszt  no escuro para seduzir um  publico para quem era desconhecio.

Menos conhecida como escritora, mas conhecida como feminista com o nome de George Sand,  Aurore Dupin seduziu o fragil Chopin e viveram juntos 10 anos em um romance conturbado, com deslocamentos nem sempre bons para a saúde do compositor. (Maiorca, frio e chuva piorando as condições pulmorares de Chopin). Valsas, noturnos, Valsa do Adeus, Valsa do Minuto, Marcha Fúnebre,Tristesse,Fantasia Improviso, Baladas, Skerzos..... são composições dessa época. Sempre tocadas por ele.  Chopin foi um compositor-pianista,de grande virtuosismo.

Diz Arthur  Rubinstein:
Chopin fez uma revolução na música tradicional para piano e criou uma nova arte do teclado. Era um gênio de enlevo universal. Sua música conquista as mais distintas audiências. Quando as primeiras notas de Chopin soam por entre o salão de concerto, há um feliz suspiro de reconhecimento. Todo os homens e mulheres do mundo conhecem sua música. Eles amam isso. Eles são movidos por isso. No entanto, não é uma "música romântica", no sentido byroniano. Não conta histórias ou quadros pintados. É expressiva e pessoal, mas ainda assim um arte pura. Mesmo nesta era atômica abstrata, onde a emoção não está na moda, Chopin perdura. Sua música é a linguagem universal da comunicação humana. Quando eu toco Chopin eu sei que falo diretamente para os corações das pessoas!
No filme quem toca o piano é José Iturbi, e sabe-se que pelo  seu exibicionismo musical e apresentações de Hollywood acabou por ser sub estimado   como um músico sério.
Frederik Chopin morreu aos 39 anos,  possivelmente de fibrose quistica pulmonar e não de tuberculose.

Esse é um resuminho da vida de Chopin.

O que  resgata de minhas lembranças esse filme sobre Chopin?
 Recentemente entrando no mundo da música, eu era uma menina adolescente (nem se usava o termo na época) a procura de seu ídolo.
E o encontrou no moço bonito que representava Chopin, no  altivo e  imponente Liszt,  no ingênuo e velhinho-professor, nos espaços bonitos, e nas tristezas  que compõe o quadro do Romantismo. E a música, mais do que tudo a música.  Tenho cada nota impressa na minha memória. E lá no fundo,  sem saber nem quem era, ouvi também Tchaikovsky no Andante Cantabile da 5ª Sinfonia que até hoje e emociona.

Com sacrificio dos meus  pais, chega o piano alugado e fica espremido entre móveis.  A tentativa de tocar, sem  base... Filha única paparicada era de uma familia que não tinha nada de musical , nem ouvido absoluto, nem conhecimento cultural.

Aos 17 anos alguem me indicou um Maestro para aulas mais sérias. Maestro Basile era um velhinho muito parecido com o maestro Elsner, sempre com um sobretudo ensebado, ocupando um quarto de uma casa familiar da rua dos Estudantes, na Liberdade.  Pilhas de partituras, poeira  e cacarecos pela sala só deixavam lugar para  eu e ele. Teria uns 77 ou 80 anos.
Foi então que tomei conhecimento dos maiores compositores com suas histórias.  Era 1947 e maestro Basile dizia que tinha sido aluno de Liszt . Nunca comprovei nem contestei.  Fazendo as contas, se ele tivesse nascido em 1870, em 1947 teria uns 77anos e 16 quando Liszt morreu em 1886. Possivel. Provável? 

Estudei uns meses  com um método diferente. A partir de uma musica dificil ele ia desmanchanndo compassos  e analizando  a musica. E era a Sétima Valsa de Chopin.  Cheguei a “fazer de conta” que tocava. Mas,o  maestro colou-me em uma escolha: ou continua só o piano, mas era muito tarde e demandaria um esforço hercúleo; ou  seguiria o caminho de um curso superior onde eu já trilhara boa parte dele. A escolha lógica foi  um vestibular e toda uma profissão. Larguei a música pela Ciência.

Um hiato na vida musical – estudos, namoro, casamento, filhos,netos. Mas, sempre  que o tempo permitia lá estávamos nós – agora os dois --- ouvindo, ouvindo e ouvindo música. Duas vezes por semana – segunda e sexta – em um tempo em que os dois únicos teatros para musica erudita eram o  Teatro Municipal e o Teatro Cultura Artistica usávamos horas de final de trabalho, enfrentando chuvas  ou frios de São Paulo, mas sempre a postos.  

E acostumamos a conhecer mais e mais musica, apurar  meu ouvido que era e é mediocre, ler sobre musica, e em cursos e cursos  saber até,  como dizia meu sogro  “qual era a cor da cueca do Beethoven”.

A cada volta de “À Noite Sonhamos”  voltávamos ao cinema. Depois à TV quando só o passavam em altas horas. Não tinha público. Quando em DVD vejo quantas vezes quero.

Mas, vê-lo hoje, rodeado de amigos  envolvidos e somando  em um todo a grande emoção, foi acontecimento único. Momentos de sentir em cada célula uma nota das “minhas” musicas. Momentos preciosos que não voltam mais.

Comentários

Lika disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Lika disse…
Oi vovó Neuza, tudo bem?!

Sou estudante de rádio e tv e estou no ultimo ano da faculdade, já fazendo o TCC.

O meu TCC é um programa de tv voltado especialmente para pessoas com mais de 60 anos.

Estava pesquisando e achei o seu blog. Achei super interessante e gostaria de saber se a senhora participaria de uma entrevista para esse meu programa.

Aguardo resposta! Obrigada!

e-mail: lika.fb@gmail.com
Cida disse…
Neuza querida
Que saudade, me lembro sempre de vc.Como sepre vc escreve tão bem que dá inveja, inveja boa se se pode dizer, pois a admiro muito.
Um grande beijo
Cida.

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