SE O SOFÁ FALASSE........


        Escrito por Jurema de Carvalho Calvanese, filha de Neuza e que também faz do sofá um objeto biográfico porque o conhece há mais de 50 anos. Da Itália para o Brasil.

Podemos contar a historia de um objeto biografico de infinitas formas
- variaçoes pessoais dos escritores, variaçoes temporais, variaçoes
emotivas, relaçoes diretas e indiretas com o objeto em questao. Enfim,
infinitas formas de viver a mesma coisa.

Inicio esta variaçao contando, antes de mais nada que o objeto
em questao, na verdade é um conjunto de moveis um sofa, duas
poltronas, duas mesinhas e uma mesinha de centro. Assim, quando
nominar apenas o sofa, subentende-se esse conjunto.

Nasceram por volta de 1949 e viveram e vivem com cinco geraçoes
diversas em locais também diversos.

A primeira geraçao ja se foi. A segunda tem ainda uma representante
que une a geraçao precedente com as geraçoes atuais vividas em 4
tempos (a sua propriamente dita, de seus filhos, de seus netos e a
ultima geraçao, com filhos “emprestados” de amigos).

Imagino que passando por cinco geraçoes distintas em locais distintos,
mesmo que na mesma cidade, sua historia, na verdade é um
aglomerado de historias pessoais, interpessoais, sociais e politicas.

Se o sofa falasse...

Se o sofa falasse… poderia testemunhar milhares de tipos de beijos
entrelaçados com suas almofadas macias; do primeiro beijo e do
ultimo beijo dos namorados e amantes; dos tiques nervosos de
seus usuarios, que por vezes destruiam suas palhinhas ou que
proposi talmente, ou occasionalmente, ou descuidadamente, ou
distraidamente jogavam bitucas de cigarros, papeizinhos, restos de
comida dentro de seus braços.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer quantas bundas sentaram nele;
bundas macias, bundas volumosas, bundas empinadas, bundas chatas,
bundas pequenas, bundas grandes. Ate poderia nos contar da imensa
bunda que ficou entalada entre os braços de uma das poltronas.

Se o sofa falasse… poderia testemunhar duas bodas de ouro, uma
boda de prata e dois casamentos. Poderia testemunhar inumeros
aniversarios e festas de época.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer quantos litros de xixi
encharcaram suas almofadas, quantos cremes de bolos foram
esparramados por crianças agitadas e cheias de energia.

Quantas cervejas derramadas, quantas mamadeiras esquecidas entre
suas roupas...

Se o sofa falasse… poderia dizer quantas crianças pularam de sua
altura de um metro e se sentiram super herois. Quantas pessoas dormiram la Quantas transaram Quantos amigos acolheu. Quantos desabafos acompanhou Quantos choros escutou.

Se o sofa falasse… nos revelaria teses e teses socias. Nos falaria de
moda, de girias, dos cabelos longos, dos cabelos curtos; de louras e
morenas, de velhos e moços.

Se o sofa falasse… poderia testemunhar muitas discusoes politicas,
muitas brigas e muitas intimidades.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer quantos amigos ficaram para tras
e quantos ainda vem sentar sobre ele.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer sobre todas as fases de nossas
vidas, relembrar fatos esquecidos no tempo.

Se o sofa falasse… seria uma verdadeira enciclopedia de historia da
musica. Seria testemunha de todos os tipos de programas televisivos;
nos contaria, com detalhes, da chegada do homem à lua e do
atentado de 11 de setembro. Relembraria a morte de Ayrton Senna,
a despedida do Pelé, os jogos entre Palmeiras e Corinthians, e varias
Copas do Mundo.

Se o sofa falasse… nos diria das emoçoes vividas dos encontros e
despedidas, das partidas e das chegadas. Nos contaria o reveillon
de muitos anos, nos falaria dos tantos natais vividos, das tantas
comemoraçoes.

Se o sofa falasse… nos diria das emoçoes de muitos nascimentos e
muitas mortes.

Se o sofa falasse… nos lembraria do Pinduca, da Paloma e do gato
Chanu.

Se o sofa falasse… poderia ele nos contar alguma escapadela de
Alguem. Nos falaria de encontros ocasionais escondidos entre suas
almofadas Seria ele testemunha fiel de momentos intimos

Se o sofa falasse… revelaria amores proibidos e escondidos Seria ele
um amigo fiel, ou deixaria em evidencia, traços de algo ilicito

Se o sofa falasse… nos contaria dos pates de pimentao feitos pela vovo
Neuza, da salada de legumes, das cervejas derramadas no tapete da
sala

Se o sofa falasse… testemunharia o som das valsas, dos boleros,
dos rocks, que faziam tremer as caixas acusticas Nos contaria
da quantidade de jornais, Folhas de Sao Paulo, Estadao, Super
Interessante, Vejas que passaram sobre suas roupas

Se o sofa falasse… testemunharia as noites que vovo Neuza passa
tomando uma boa xicara de chocolate quente assistindo algum
programa ilicito, acompanhando algum seriado ou escutando alguma
sinfonia de Beethoven

Se o sofa falasse… poderia ser considerado a ONU – acolheu entre
suas almofadas, negros e brancos, orientais e ocidentais, europeus
e africanos, americanos e argentinos, suécos e baianos, homens
mulheres e gays. Sem distinçao acolheu pobres e ricos, feios e
bonitos, gordos e magros, cachorros e gatos, cegos e surdos, altos e
baixos, sujos e limpos.

Se o sofa falasse… seria capaz de discutir todas as religioes, todas as
emendas governamentais, todas as passeatas. Seria testemunha da
ditadura, da republica, da democracia e da hipocrisia.

Se o sofa falasse… poderia nos contar como foi bom ter catolicos e
judeus sentados lado a lado. Como seria possivel a paz mundial.

Se o sofa falasse… poderia nos contar até das festas que nao pode
estar presente (visitas habituais para pequenas reformas).

Se o sofa falasse… poderia nos contar das gravidas esperando o
futuro.

Se o sofa falasse… poderia nos dar indicios precisos da grande
variaçao de bacterias por metro quadrado. Nos contaria das teses
imaginadas, das horas que Zé Valarelli passava tentando convencer
alguem da possibilidade de se engarrafar inércia. Nos contaria das
aventuras do Senhor Jose, do sequestro dos navios, de como seu filho
se tornou burgues e de sua filha que cantava Noite Feliz.

Se o sofa falasse… nos ensinaria inumeros pontos de trico, croche e
bordados feito a mao.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer a soma das idades das pessoas
que se sentaram sobre suas almofadas.

Se o sofa falasse… poderia nos dizer quem è a favor de Gandhi,
quem gosta de Hitler, quem se identifica com Che Guevara, quem è
malufista de carteirinha, quem gosta de opera, quem fuma maconha,
quem prefere cerveja, quem prefere pinga, quem gosta de bolo de
chocolate, quem prefere bolo de chantily com morango. Quem come
tudo e quem nao come nada. Quem passa a vida dormindo e quem se
senta por 5 minutos.

Se o sofa falasse…

E ainda se falasse a lingua dos homens…

No silencio da noite fria, no escurinho das noites geladas, se conseguir
entrar em seu mundo poder escutar essas e tantas outras historias
que passaram sobre suas almofadas, sobre a madeira firme de suas
mesinhas.

Implacavel, imparcial, juiz perfeito. Escuta todos, nao julga ninguém,
nao critica e nao analisa.

Entre suas almofadas, entre os vultos que caminham sobre ele, sobre
suas poltronas, em cima da mesinha de centro, nas mesinhas laterais,
podera voce também unir-se a eles, com uma boa xicara de chocolate
quente, colocar seus pés descalços em cima dos jornais jogados e
viajar no tempo, viajar em uma dimensao especial, viajar dentro de
voces mesmo e ver quanta vida existe nos objetos “inanimados”...

Se o sofa falasse…

E ainda se falasse a lingua dos homens…

Nota-  a digitação às vezes falha (acentos, til...) se deve ao fato do texto original ter sido escrito na Itália onde os teclados não têm esses símbolos. 

Comentários

Unknown disse…
Vovó Neuza, adorei essa mensagem de amor, vivencias interessantes repletas de bom humor com verdades verdadeiras.
Parabéns siga sempre assim lembrando coisas do passado, pois o presente é a representação de tudo que já vivemos.
Um abraço fraterno desse seu admirador,
Badu
Nicolle Radde disse…
Oi vóvó neuza. Sou criança mas achei suas postagens boas. Gostaria de pedir uma postagem de natureza.
A senhora pode?
Célia disse…
ENTREVISTA!
http://conversadeblogueiro.blogspot.com
Acesse o blog acima e opine! Ficarei imensamente grata!
Abraço, Célia.
http://celiarangel.blogspot.com
Célia disse…
Vovó Neuza!! Te acho o máximo!! Símbolo do amor de uma vovó século XXI!!! Bjão, Célia.
Day disse…
Que delicia ver esse blog ativo... busquei por SAPO e achei a vovó e descobri a importancia dos sapos, agora é minha favorita! :)
Beijos

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