DIÁRIO DO MEU ISOLAMENTO- Parte 4

 

    Acho que comecei bem o mês de julho. Participei do Lab 60+ por Zoom e pude falar do meu trabalho não como projeto, mas como atividade já consolidada e que me incomodava que ficasse restrita a poucas pessoas quando pelas avaliações que guardo desde 2006 são as mais positivas. Deixei claro que preciso de Espaço e Patrocinador para que os Encontros tenham mais abrangência.  

Gestando um texto sobre um lapso de memória de 1948. Gestação demorada sempre interrompida por outras solicitações acabou sendo publicado em 15 de julho com o título USP 1948...VESTIBULAR????

E num arroubo de coragem e com ajuda de Raimundo, funcionário do prédio desci todos os livros das prateleiras para dar uma limpada nos espaços e nos livros.  E arruma-los em ordem certa porque estavam uma bagunça completa. Trabalho físico e emocional muito grande porque se encontram livros esquecidos e com eles muitas memórias e emoções. Foram dois dias muito produtivos. E ainda higienizei pisos e móveis. Estou bem protegida.

Mexer em livros como já comentei em outra publicação do Blog, é com mexer em um baú de fotos. A gente para, resgata a memórias que umas e outras que fotografias nos trazem. E sempre acaba-se fazendo uma triagem de livros que se quer ler de novo. Separei alguns.

Tive algum tempo juntamente com Telma procurando reduzir o meu trabalho de Resgate de Memória em uma versão mais” comercial”. Pensei muito, fiz alguma coisa escrita, mas não tenho mais como fazer um plano de aula pedagogicamente bom. E foi Telma quem o transformou o que eu tinha esboçado e fez com formatação requerida. E foi isso que ela mandou para o ponto de contacto com Sergio D.E. que estava me ajudando a fazer alguma coisa rentável.  Telma me completa em todos os sentidos.

Mas, isso mexeu muito comigo. Transformar um projeto completo, em que dou tudo de mim e tudo o que acumulei nesses 90 anos de conhecimentos é que vale, para uma “coisinha comercial” !!!!!!!! Passei dias muito mal, querendo mesmo desistir de tudo.  Telma “não tomou conhecimento” dos meus choramingos e continuou o contato com as pessoas certas.  Decisões em aberto ainda.

Como uma “fuga” para meu estado de espirito meio mal, sem querer retomei o meu prazer pela leitura. Nos últimos três meses não conseguia concentração para outras leituras que não fossem coisas técnicas, ligadas ao problema da Pandemia ou interessantes como por exemplo pesquisando e lendo sobre Insetos Comestíveis como uma solução para a fome que assola o planeta.  e em dois ou três dias reli na íntegra No País das Sombras Longas, Volta ao país das Sombras Longas e de Varga Llosa Travessuras  da Menina Má para o encontro  da Academia Paulista de Letras que agora on line , vai ter esse livro como tema.  E comecei a ler outro 10% Humanos bastante atual, diferente, acadêmico. e pra contrabalançar o academicismo de 10% Humanos Pandemias – A Humanidade em risco. Leio sempre o dois juntos

As rotinas continuam as mesmas com pequenas variações e nem sempre com um tempo diário determinado. Quase sempre são entremeadas com compromissos sociais como mensagens lidas e respondidas e com isso manutenção de um grupo social bastante grande.

        Pagamentos mensais em dia sempre pela Internet.
        Posto coisas no Blog por conta de meus flashs de memória e resgate de antigos trabalhos.

Entrevista sobre SOLIDÃO na Quarentena com Yara Duarte, referência em Longevidade, onde mantivemos uma muito boa conversa por quase uma hora sempre on line. Outra entrevista mais fraquinha, falei bem, mas a menina era muito jovem e não gravou e acho que só tomou algumas notas e eu perdi meu tempo dando sim depoimentos bastante abrangente para a época.

Feliz mesmo fiquei quando o Jarlei, o sempre querido Jarlei ,quando comentei que estava meio cansada da rotina da rotina de pia cheia, louça lavada, secada, guardada, usada e voltando para a pia em um ciclo que nunca se quebra, pensou em me mandar um almoço de sábado via Uber Eats, sugeri que ele viesse junto e passamos horas divinas numa conversa “daquelas” ,espontâneas como sempre temos.

        E outro acontecimento muito positivo. Ao se iniciar a “Quarentena” (que não é mais Quarentena porque para mim já estou mais de 3 vezes Quarentena) estava na época de ir até a Reouvir buscar minhas próteses auditivas de tecnologia atual. Ficaram “dormindo” por lá e agora fui chamada para busca-la. E então 16 anos com a mesma prótese teve a possibilidade de substituição por tecnologia atual. Primeira vez que saí do ap. em 123 dias, mas de carro com Flavio ida e volta, na verdade não me reintegrei ao espaço contumaz. E me senti uma ET. Passei tarde e noite meio esquisita também porque acho que meu cérebro acostumado ao impulso elétrico de uma prótese de tecnologia antiga levou um tempo para reconhecer e se ajustar. No dia seguinte já estava tudo acomodado.

Trabalho dos Encontros, estamos em “férias”, mas mantenho contato com todos para não esquecerem as tarefas.  E mantenho conversas  sempre  éçp Whats às vezes com vídeo para não esquecermos a cara uma da outra.

Amigos de sempre não me esquecem e agora além das belas palavras escritas ainda vejo suas imagens em Whats com vídeo. Jolanda, Margarete, Telma, Wanda.  Lívia, Ana Lucia, Mirian, Regina, Paula, Maria Inês, Rosa........Com os netos tenho um grupo de Bom Dias e Boas noites, com Jurema e Oscar o essencial. Flavio e Eliana todos os dias.Flavio é meu apoio incondicional aem tudo o que preciso. às vezes por orgulho não o chamo  para ajudar em coisas que não sei e fico tentando. Quando ele vem a um toque resolve tudo. 

Wanda me manda um almoço. Importante porque ela não tem prática nisso e pediu a outra pessoa que fizesse. Mostra seu empenho em me dar um agrado.

Do prédio só vejo os funcionários Júlio, Eduardo, Raimundo, a vizinha Circe e “santa” Paula para minhas pequenas compras. NINGUEM mais.

    A vizinha Circe é o encontro do dia a dia. Trocamos  experiencia, ela me empresta o terraço para o meu sol que     geralmente é só de capsulas mandadas pelo HC. Trocamos comidas porque ela é a especialista Tem um    tempero próprio. 

De Doralice sinto falta como companhia e como na manutenção casa sempre higienizada o já me é fisicamente difícil. Mas, é do grupo de risco e não convém circular com condução pública.

Entre uma coisa e outra picotando um mundo de papeis que preciso descartar com um picotador gentilmente emprestado pela Lívia.

Mas Doralice telefonou, conseguiu que a filha a trouxesse e veio no dia 23, uma quinta feira para por a casa em ordem. Chegou 6:30h e logo depois do café começou a faxina do seu jeito e foi indo, sob meus protestos até 19h. De ponta a ponta. Enquanto eu, livre dos problemas domésticos li um livro inteiro “A Roda da Vida” de Manuel Filho e ouvi sua entrevista ao vivo as 19h. Um livro interessante e bem construído sobre a Roda dos enjeitados.

Fim de semana não tenho nenhuma vontade de sair. Fico rodando sempre tendo o que fazer. Escrevo, leio, lavo louça, roupa....

No domingo dia da Avó o Jarlei, sempre o querido Jarlei me mandou um almoço árabe cheio de carinho.  Comi no domingo e segunda. Em compensação passei o domingo “esperando” uma palavra dos meus netos de verdade pelo menos para um oi. Nenhum deles ligou ou escreveu nada do assunto. Me deu uma grande tristeza que se arrastou até na segunda feira que passei ansiosa, triste, resolvendo problemas (chuveiro, imobiliária, roteiro para participação Festival Lab 60+......) Já estou cansada. Literalmente sentindo os efeitos desse isolamento e decepcionada com tudo e todos. Solidariedade acaba sendo só uma palavra e conscientização do perigo da Pandemia também em falta.

Mas na aula sobre Arte na Mitologia Grega II, Felipe Martinez deu um show interpretando Édipo Rei e Antígona, tragédias de Sófocles. Acompanhei com o livro que tenho, mas eu estava “lendo” e ele “interpretando”. Uma grande diferença,

Meus amigos continuam abastecendo meu emocional e assim vou sobrevivendo. Não tenho nenhuma vontade de sair de casa. Me irrito vendo gente “passeando” em vez de Ficar em Casa.

Mas, há sempre coisas boas.  No dia 29 fiz parte de uma roda de conversa no Festival de Inverno do Lab60+ na plataforma zoom e foi um agradável bate papo .Tive oportunidade de falar um pouco  da minha vida, dos meus 90 anos e passar mensagem  do que um longevo ainda pode fazer e quais suas necessidades especificas que  certamente não são as mesma dos 60+ que são sempre os citados. Todos ótimos, me senti acolhida e querida.

E no dia 30 ainda participei pela plataforma Zoom de um encontro com acadêmicos da Academia Paulista de Letras me dando a oportunidade de rever pessoas que eu encontrava quando essa reunião mensal era presencial. Para mim melhorou muito porque não tenho que me deslocar. Encontrei o sempre querido José de Souza Martins e ainda tive a oportunidade de participar com comentários sobre o livro de Vargas Llosa.

Salvo alguns períodos de desolação e cansaço, o saldo do mês foi positivo.  E, estava fechando o mês quando recebi da Paula uma demonstração de carinha tão sincera, tão sensível que compensa qualquer sentimento de tristeza: sabedora que eu gosto de um doce, mil folhas, tem procurado na Padaria Leticia. Mas eles só fazem às vezes. Pois ela procurou uma confeitaria famosa e me trouxe em uma embalagem pra lá de bonita um “mil folhas” Até fotografei. Fui comendo aos poucos com toda “Pompa e Circunstância” somando ao sabor todo o carinho contido.

Ainda bem que tenho a super Paula para de ajudar em coisas práticas como compras, e me suprir com sua amizade pura e sincera.  E Circe, a minha vizinha de frente muitas veze chega com um almoço quentinho quando eu tinha esquecido que precisava almoçar.

E sobre leituras, matéria sobre a situação do planeta neste momento de Pandemia sabemos,  por um ensaio  de Yuval Noah Harari ,  algumas frases de sua tese.  

“(...) a solução está em dois conceitos: INFORMAÇÃO e SOLIDARIEDADE I - informação científica fidedigna com a maior circulação possível E solidariedade entre nações e povos.”

“(...) as Pandemias não comprometem um país, uma população, uma economia, um governoElas comprometem toda a espécie humana e todas as regiões do mundo.   (...) toda uma Civilização.

31 de julho de 2020 nos meus 141 dias de isolamento total e consciente

Adendo.- com base nas ultimas informações de nova nuvem de gafanhotos, acho melhor começar a pensar em comer gafanhotos fritos. Uma boa fonte de proteina e uma oferta da Natureza como uma "diferença " na alimitação nestes tempo de Pandemia.  Comemos camarões porque não gafanhotos? 

Comentários

Unknown disse…
Me espelho em você para envelhecer. Um super exemplo a ser seguido. Faço com todo carinho.
Obs - para comer gafanhoto tenho que nascer de novo rs
Telma Mendes disse…
Muito bom, Parabéns Neuzinha!
Nalú disse…
Parabéns Vovó Neuzinha, você é demais. Não se cobre tanto de si, a vida é um canto de colibri que o vento sopra e ecoa em ouvidos sensíveis que possamos reproduzir seu som reinventando-a.
Bjs.
Te amo
Carmen disse…
Como sempre, amei ler este texto tão cheio de descrições, de reflexões tão verdadeiras. Quanta vitalidade, quanto amor à cultura! Saudade imensa! Beijos!!!
Unknown disse…
Parabéns é pouco para expressar todo o meu orgulho de tê-la conhecido. Neuzinha, você é muito iluminada, é a minha "ídala". Os seus olhos são mais que ligeiros, flagram e disparam cem anos luz à frente de todos nós. Muito obrigada por iluminar o meu caminho.
Neuza,

Não há o que comentar do seu texto e de sua trajetória de isolamento.
Você está em uma atividade contínua e intensa. Poucos estão assim...
O que mais me chamou a atenção foi a frase: "“(...) a solução está em dois conceitos: INFORMAÇÃO e SOLIDARIEDADE I - informação científica fidedigna com a maior circulação possível E solidariedade entre nações e povos.”
Nossos governantes precisavam ler isso...
Mas.....
Um abração da Margarete

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