dona neuza.com.br - Alessandro Dell'Aira (texto traduzido)

DONA NEUZA COM BR – di Alessandro Dell’Aira

De sua casa, não se pode sair o mesmo. Vive no décimo andar de um edifício do Alto da Lapa, mais ou menos onde o Pinheiros encontra o Tietê e suas águas turvas deixam para trás o coração da metrópole. Dona Neuza gostaria de explodir o prédio da frente, que é mais baixo que o seu, mas que tira uma fatia de vista. Ou transferir-se ao andar superior. Mas reconsidera: Não, o seu reino está aqui.

Sim, se apóia sobre o balcão: parece Liza Minnelli com Nova Iorque a seus pés.
Setenta e nove anos, viúva e feliz. Como uma mulher casada foi feliz e não vê porque não deve continuar sendo já que a cada pôr do sol, seu companheiro a cumprimenta do Pico do Jaraguá. Sempre tem seu bigode da cor das nuvens.

Esta casa é um arquivo suave e profundo, com muitas pastas azuis cheias de folhas
manuscritas e impressas. Marido, esposa, filhos, netos, e agora é aqui sozinha a tomar conta desse um longo caminho vivido juntos. A idade do corpo é uma questão de anos vividos. Dona Neuza é um disco de vinil que aos setenta e nove anos é mais disposta que um de trinta e três, corre tão rápido quanto um de quarenta e cinco. E não de ontem, descobriu o blog. Abriu um pessoal vovoneuza.blogspot.com, pessoal. Saramago pode ter um e ela não? Chamar-se de Vovó na rede, rejuvenesce. Assim abriu outro blog: topblog.com.br / metrópole, dedicada a São Paulo. Um blog de amor.
Lisa Minnelli não fez nenhum para Nova York, mesmo com todos os fãs que ela tem na cidade. Dona Neuza não tem fãs, tem seguidores: 424 no encerramento desta parte, aumentando constantemente. A Web é a extranet para Neuza. De pessoal, na rede não tem nada, è arquivado em casa.
Quando chega um amigo ela abre um armário velho abarrotado com pastas e puxa para fora um rolo com pompa e circunstância. É a sua árvore genealógica. Após pesquisas nos registros públicos enviou enxames de mensagens por correio eletrônico e mensagens de texto aos parentes, conhecidos e conhecidas, misturando memórias superficiais profundas, perto no tempo e distantes no espaço.
Dois séculos de árvore, duzentos e treze ramos. Agora, no entanto, não consegue mais: entre divórcios e das famílias acabadas não é mais tempo de árvores de família. Não há guarda-roupa que os tenha, são emaranhados de manguezais.

E por falar em árvores dna Neuza, bióloga aposentada, salvou o Figueira da Glette que de '37 a '69 foi a sede da gloriosa Faculdade Paulistana de História Natural, Química e Psicologia Experimental. Lançou o alarme imediatamente após o golpe por um bando de
ignorantes. O edifício foi demolido, mas antes que a árvore tivesse o mesmo fim que ela, plantou uma porção de mudas com uma patrulha de ex-alunos.
Estudamos todos aqui, ninguém toca na Figueira. E eles não tocaram, tanto assim que pode-se vê-la emoldurada, entre a impressora e o computador. Mas há cupins, que existe também nas sequóias.

O que se pode fazer? Pega-se uma escada, tira os melhores brotos re replanta no seu novo lar no campus da Universidade de São Paulo. Com pompa e circunstância, em área sagrada. Dona Neuza faz tudo cantando na cabeça a marcha de Edwar Elgar, hino dos graduados da América. Seu compromisso de bióloga militante reproduz a vida. E proteção de memória, mais fértil que alguns estudos acadêmicos que se reproduzem por si mesmo.

Na mesa de jantar há aqueles que estendem toalhas bordadas. Ela mantém embaixo do vidro, um mapa da grande São Paulo, que navega com auxílio de um índice de nomes que está na cozinha.

Jantar com ela na cozinha é um prazer de uma outra era. Escondidinho de carne seca, cebola, alho, creme de mandioca, e uma cor de açafrão, molho que nunca termina. O material das bodas de Canã. Dona Neuza faz litros de molho como presentes para os amigos. A receita nunca foi escrita. Ele tem na cabeça, com segurança sob os cabelos brancos.

Os segredos disponíveis estão na sala de jantar: o baú dos objetos e bauzinho dos cartões. O Sr. Pessoa, com o baú cheio de pessoas, foi um desordenado. Neste baú há também um disco do dia do casamento, e 45 giros com a transcrição da cerimônia de '53, um presente do fotógrafo para os cônjuges, e para a segurança, um minicassette, e o CD de backup com a transcrição da fita. Todos ligados com fita de seda verde. No bauzinho existem apenas cartões. De qualquer uma: "A primeira transa não se esquece nunca, especialmente se é o primeiro e único amor. Conforme exigido pelo contexto de então, e minha educação familiar, aconteceu na noite de núpcias com a serenidade do ambiente e da ansiedade da coisa nova. A Paixão poderia ser satisfeita. Em nossa casa, sem problemas. Sem culpa ou medo. Perfeito. Tornei-me uma 'mulher' da maneira mais feliz. Do café da manhã não me lembro (acho que nem teve), mas a refeição me lembro: molho de tomate, ervilha e ovos, preparados por mim. A primeira refeição de casados.

Um gesto após outro, dona Neuza exibe objetos, cartas e fotos. Revela muitos segredos. Amigos na rede são muitos que os divide em grupos. Alguns unisex, como "Seminovas", batalhando como ela. O último grupo é "Amigos 2009". Teste final, as pessoas da terceira idade que se deslocou em quarto sem atrito.

Precisamos saber fazer, senão nos arranhamos. Quantas marcas têm a idade? Depois da meia, nós somos o terceiro. Mas aqui é chamada de melhor idade. Tudo aqui é bom, soa quase melhor quanto maior, então por que não chamar melhor idade? Dona Neuza é positiva, mas sem eufemismos. Prefere longa vida / divers idade, / oportun idade.

Com ela, não ficamos mais velhos, nem mesmo à mesa desfeita. Tem educado gerações de Paulistanos. Ama as artes plásticas, os clássicos da literatura e música. Conversar com ela é
como fazer música de câmara, sem sinais e mal-entendidos. Na fluência, porque nove vezes de dez, a falta de comunicação é o hipócrita rabo de palha.
Até quando alguma coisa a interessa, dona Neuza, mesmo na soleira da porta lado, transmite um segredo. Não é a receita para o molho. Como Don Francisco José de Goya Lucientes, como Meister Ludwig van Beethoven, de Dona Neuza Guerreiro de Carvalho tem dificuldades de audição. Com notas nenhum problema, com vozes, certamente. Será uma questão de freqüências, mas não pode ser explicado apenas pelas leis acústicas. Em particular, é a arte de captar os pensamentos dos outros através da linguagem corporal.
Então vem pensamento, a porta do reino, quando um abraça e diz adeus com um pouco
de vergonha e desejo daqueles poucos segundos de silêncio juntos, o poço do elevador,
antes de deslizar para trás o acidente da real dificuldade de audição: aqueles que nas relações humanas consomem a vida sem alimentá-la e se contentam de receber, não são capazes de transmitir.

Comentários

ISABEL disse…
Fantástico. Já pensou deixar, um dia distante, sua casa para museu?
Adoro a senhora. bjs. Isabel Resende
Muito lindo, agora te conheço melhor. Beijos
Solange
Unknown disse…
Oi!!
Tenho 12 anos, e escutei uma entrevista sua na rádio CBN. Adorei o seu blog!
Sua energia é contagiante e espero, quando crescer ter o seu dinamismo e inteligência...

Bjos
Anônimo disse…
Eu escutei sua entrevista pela cbn e logo lembrei-me de um sonho que ainda não viví e você naquele momento despertou no arquivo das "memórias",gosto de usar esse têrmo,para esse sonho que já é vivido por você.E escrevo muito,porque,o ninho está "vazio"dos meus filhotes que voaram para os seus próprios ninhos,e......eu tenho que falar com gente que me ouça e que responda,nem que seja alguém que desperte no meu arquivo de memórias não só o que passou e não volta, mas que ainda eu posso fazer.
com muito carinho,e respeito,obrigada
beijos
João disse…
Lindo! Elegia mais que merecida.
Também sou surdo do ouvido direito rsrs
Abraços
Joao

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