O DIA EM QUE A TERRA TREMEU
Jurema é minha filha. Mora na Itália. No Norte da Itália. Não mora no epicentro do terremoto,mas perto dele. Viveu a experiencia impar e sensível física e emocionalmente,escreveu sobre isso. Tem espaço no meu blog para publicar seu texto.Aqui vai ele.
O DIA EM QUE A TERRA TREMEU
Vou começar esse texto deixando claro que nao falo em primeira
pessoa, faço dessas palavras, o retrato de muitas coisas que li, escritas por
pessoas que VIVERAM os momentos
terriveis do terremoto do dia 20 de maio de 2012.
Deixo o tema “DESTRUICAO
DOS MONUMENTOS HISTORICOS” para os historiadores e arquitetos, pois entendo
que eles sao muito mais abalizados a falar sobre o assunto. Deixo aos
especialistas, a discussao do “USO
INADEQUADO DO SOLO URBANO”, E “OCUPAÇAO DESORDENADA DAS CIDADES E CAMPOS”.
Prefiro escrever sobre aquilo que passamos. Uma destruiçao silenciosa,
profunda e assustadora. Uma destruiçao que levaremos para sempre em nossas
memorias.
Provavelmente contaremos aos nossos bisnetos sobre o DIA EM QUE A TERRA TREMEU.
Nao estou aqui para defender prioridades, mas tentar expressar as
prioridades da populaçao que esta ainda presa do terror e do panico. Muitos que
ainda nao voltaram para suas casas, e milhares de pessoas que ainda nao conseguem
dormir tranquilas.
Uma semana depois do primeiro tremor. Segundo
noticias locais, durante esses dias mais de 250 tremores de intensidades
variadas foram sentidas por toda a regiao. Senti muitos deles, me apavorei
como todos.
Falar sobre a destruiçao material que ocorreu é redundante, as
fotos sao muito mais pungentes, tem muito maior impacto. Todos os telejornais
do mundo todo notificou, comentou e fez ver ao mundo o que aconteceu ao norte
da Italia, entre as regioes de Emilia Romagna e Veneto.
Passamos por uma das piores experiencias de nossas vidas, com
certeza: um terromoto de magnitude 5.9. Eram 4:04 da madrugada de domingo – 20 de
maio de 2012. Janelas começaram a bater, uma vibraçao na cama nos fez saltar
rapidamente enquanto sentiamos um barulho assustador e ensurdecedor.
Em muitos lugares, quadros, lustres e objetos se espatifaram no
chao. Aquilo que sentimos è unico e incontestavel. Nao tem razao que possa explicar
ou controlar nossas atitudes. NAQUELES
20 SEGUNDOS, NOSSOS INSTINTOS TOMARAM O COMANDO DE TODA A SITUAÇAO. Vale
tudo para salvar nossas vidas.
Saimos de casa como estavamos, alguns de pijama, outros de
calcinha e camiseta, cuecas, sem chinelos, sem celulares, sem computadores, sem
oculos, sem dinheiro, sem documentos, sem maquiagens. PRIORIDADE ABSOLUTA: A VIDA.
Cautelosos, voltamos para nossas casas pisando em ovos, ainda
com o instinto no comando da situaçao, com os sentidos aguçadissimos, com o
coraçao que disparava a cada pequeno barulho que sentiamos.
Mais ou menos depois de uma hora, outro grande tremor.
Confirmando o comando de nossos instintos, nem mesmo dessa vez nos preocupamos
com outra coisa que nao fosse NOSSAS
VIDAS. Nao conheço ninguém que tenha vivido esses terriveis segundos,
comentar sobre outra prioridade que nao fosse escapar, tomados do panico e do
medo.
Passada uma semana, ainda sao essas as impressoes que se sente
pelas ruas, pelos carros que se transformaram em casas, das barracas espalhadas
nas praças.
Emocionante ver como as pessoas retornaram às suas casas escoltadas
pela vigilancia civil, ve-las realizando suas prioridades. Independente das
condiçoes economicas de cada pessoa, a prioridade absoluta era o resgate dos
objetos de VALOR para nossas vidas.
Nao vi ninguem interessado em resgatar seus porta joias, seus vestidos de
marca, seus sapatos novos, suas bolsas de griff. As pessoas, ainda cautelosas,
tentavam levar consigo, para suas “casas improvisadas”, seus carros-dormitorios,
as mamadeiras das crianças, as roupas confortaveis, os cobertores, algum
alimento da geladeira; um travesseiro para acomodar os mais velhos. Garrafas de
agua, leite e pao. Naquele momento esses eram os unicos objetos de valor.
Emocionante ver um furgaozinho chegar de Aquila (cidade que
sofrera um terremoto semelhante ha tres anos), conduzido por um senhor
assustado que trazia em seu rosto o medo ja consolidado. Trazia alguns objetos
que fora usado pela populaçao aterrorizada daquela regiao. Cobertores, panelas,
pratos, um pouco de alimento que gente solidaria mandava para os mais novos
aterrorizados da Italia do Norte. Vi pessoas abrirem suas casas acolhendo
crianças, familias desconhecidas, dividindo um pouco de conforto.
Durante essa semana de terremotos, é triste ver que muitas pessoas
"choram" muito mais pelas perdas dos monumentos historicos do que
pela situaçao que se encontram essas pessoas que sofreram danos em suas casas, sabendo
que o governo fara muito mais para "restaurar" monumentos historicos
que para colocar em pé casas normais de familias normais.
Essas pequenas cidades atingidas, onde patrimonio historico nada
mais é que construçoes velhas e mal cuidadas, muitas abandonadas (ja que nao
eram nem mesmo pontos turisticos importantes - pois nao geravam riqueza para o
municipio), estao destruidas. Seu povo esta na rua, nos carros, em alojamentos,
nas casas rachadas ainda em pé.
Agora, depois do terremoto, vem um bando de gente com faixas
exigindo que o patrimonio historico seja restaurado, que o impacto ambiental
foi avassalador, bla, bla, bla, bla, bla, bla, bla... enquanto isso inteiras
familias que perderam suas casas simples, compradas ou alugadas com sacrificio de
uma vida estao desesperadas e sem apoio. Inumeros negocios, fabricas,
estabulos, criaçoes de gado, porcos e galinhas; plantaçoes destruidas, deixando
milhares de pessoas sem trabalho e que ficarao a espera dos “agentes” do
governo para avaliaçao dos danos. Duvido que alguém que esta nessa situaçao
esteja interessada no patrimonio
historico até entao abandonado!!!!!
Vamos ser realistas, minha gente. Nesse pais, PATRIMONIO HISTORICO so é cuidado se
gerar riqueza. Non se ne fregano un cazzo com a historia, com a memoria, com o
ambiente e outras coisas mais. No Primeiro Mundo a prioridade absoluta è aquilo
que gera dinheiro, nada mais que isso.
Se a vida é feita de escolhas, o que é uma grande verdade,
escolho dar prioridade absoluta e total ao presente, às familias desabrigadas,
às crianças que estao morando dentro de um carro.
Me desculpem os historiadores e arquitetos, mas sei muito bem
que restauros serao feitos se gerar lucro. Caso a geraçao de lucro seja maior se
deixar esses pseudos-monumentos destruidos,
estou certa o farao. Sou segura que a prioridade de reconstruçao sera aquela que
gerar mais riqueza. Infelizmente.
Porém, a beleza disso tudo esta na solidariedade que nunca tinha
visto antes por essas bandas. SOLIDARIEDADE
PLENA, COMPLETA E PROFUNDA. ESSE È O LADO POSITIVO DO TERREMOTO QUE DEVE SER
CULTIVADO SEMPRE. ESPERO QUE MINHA MEMORIA ESTEJA A POSTO QUANDO CONTAR AOS
MEUS NETOS E BISNETOS SOBRE A SOLIDARIEDADE DE UM POVO QUE ABRIU SUAS PORTAS,
SEUS CORACOES E SUAS ALMAS, ACOLHENDO E MINIMIZANDO O MEDO DOS DESABRIGADOS.
È ESSE POVO QUE DEVE SER LEMBRADO. SAO ESSAS AS ATITUDES QUE DEVEM SER
VALORIZADAS. QUE FIQUE BEM
CLARO ISSO, NAO O BLA, BLA, BLA DE POLITICOS.
(essas palavras foram escritas por todas as
pessoas que estao apavoradas e desesperadas, cada uma contribuiu um pouquinho
com sua dor para que possamos juntas, sensibili zar outras pessoas para que
olhem mais para os seres humanos que para os tijolos espatifados no chao)
Italia – maio 2012
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