NOSSA VIDA COM CACHORROS
NOSSA
VIDA COM CACHORROS E UM GATO (REPUBLICADO DE MAIO DE 2009)
Nunca fomos muito cachorreiros. Não me lembro de nenhum cachorro na casa de
Ayrton.
Eu, de certa forma, sempre convivi com
cachorros da família de minhas tias paternas que durante toda vida tiveram
cachorros.
Eu mesma, quando solteira, só tive um
cachorro, no sobradinho da Lucas Obes, mas era mais de meu pai e de minha mãe,
porque eu estudava fora o dia inteiro e não era de muito achego. Essa era a Lady. Acho que chegou até nossa casa por meu primo Aírton, que, era quem
abastecia a família de cachorros.
Lady viveu no sobradinho, onde
costumeiramente pulava pela janela de meu quarto e ficava em um telhadinho
durante horas, apreciando o movimento. Foi depois para a Av. Dom Pedro e chegou
a vir para a Lapa, no apartamento de meus pais. Era pretinha, pequena e de pelo
curto. Ficou velha, doente, e em uma das viagens de meus pais ela ficou em um
hospital e acabou sendo sacrificada quando estava no fim. Meus pais a levaram
para ser enterrada em um cemitério de cães.
Passamos anos sem cachorro.
Quando fomos para a rua Caativa, casa
grande e quintal grande, chamava por cachorro. . Não sei quem nos deu um
cachorrinho fox branco com manchas preto, pequeno, pelo baixo, malandro,
simpático, tarado. Era o Qüem Qüem.
Sorrateiramente escapava pelas grades,
principalmente se a cadelinha de frente o chamava, toda dengosa. E iam os dois,
pelo mundo a fora, nas ruas mais livres do bairro (Nessa década de 60, muitas
ruas do bairro ainda nem eram calçadas). Passavam dias desaparecidos. Quando
Qüem Qüem voltava, vinha vermelho de barro. Ia se chegando aos poucos, punha
primeiro a cabeça, pelo lado da casa. Se a recepção fosse boa, aparecia o resto
do corpo, todo sem vergonha, abanando o rabo. Tinha que tomar banho para voltar
à cor primitiva. Passava uns dias calmo, sem sair, descansando e refazendo
forças para novamente repetir tudo. Mas era tão simpático que a gente aceitava
tudo. Flavio e Jurema com cinco e oito anos, o adoravam.
Deve ter aprontado tantas, que alguém
lhe deu “bola” envenenada e ele morreu nos degraus da escada de acesso à nossa casa.
A sua companheira morreu nas mesmas condições.
Na dúvida da “causa mortis” foram
levados para o Instituto Pasteur, mas o atendimento demorou, a dúvida continuou
e na hipótese pouquíssimo provável que fosse hidrofobia (a gente tinha quase
certeza que foi veneno), tivemos que tomar vacinas antirrábicas durante 15 dias
em injeções subcutâneas na barriga, duas vezes por dia. Todos os seis (Maria
nossa ajudante se recusou a tomar e não lhe aconteceu nada).
Na hora do almoço era um ritual. Eu já esperava Ayrton com e seringas fervidas
(não havia ainda as descartáveis), e ele aplicava as injeções em nós seis: meus
pais, nós, Flavio e Jurema. Quando a
reação local estava mais ativa, com inflamação maior, era a hora da segunda
dose do dia, no fim da tarde. Era um tormento. Ayrton conservou marcas na
barriga até o fim da vida. O trauma das crianças foi grande e desistimos de
cachorro durante algum tempo.
Meu pai tentou trazer uma cachorra enorme,
Princesa, mas ninguém quis.
Já era muito adulta e não foi simpática.
Tínhamos resolvido não ter mais cachorro por
causa do sofrimento das crianças pela falta do Qüem Qüem, e nossa, pelas
vacinas.
Mas, as crianças estavam tão desoladas
que aceitei um cachorro dado por uma aluna. Nem sei de que raça era (devia ser
lobo) Já era meio crescido. Chamava-se Pongo
e era uma fera. Bravíssimo.
Minha mãe é que cuidava da comida dele, mas só deixava seu prato com ele preso
e gritava: “Pode soltar”. Enquanto ele comia, fechava a porteirinha que tinha
no fundão da casa. Na frente da cozinha, ainda era terra e ele sujou toda
parede de tanto latir e pular. Quase comia a mão do padeiro quando ele deixava
o pão. Qualquer coisa que caísse no chão ele comia: Bombril, botão... Uma vez entrou na copa, atacou um cacho de
banana e tivemos que fechar as portas porque ele só acalmou quando não restava
nada do talo. Não aguentamos e o demos
para o padeiro, que o levou para seu sítio como guarda.
AGORA TAMBÉM UM GATO
Em um aniversário dos meninos, acho
que foi em 1965, a festinha estava animado, quando Ary chegou de São Carlos e
trouxe de presente para os dois, um cachorrinho, lindo quando pequeno. Devia
ser um mestiço mal “misturado”, porque a parte de traz lembrava bassé e a parte
da frente bulldog. Marrom claro, patas curtinhas para sustentar o corpo. Foi o Pinduca.
Todos gostavam dele. Eu não me liguei
muito, porque trabalhava bastante por essa ocasião, mas as crianças e meus pais
sim. . Era um cachorro meio enfezado, a cara “carrancuda”. Sorrateiro, entrava
devagar na sala, se escondia atrás da cortina e ficava entre o vidro e a grade,
dormindo o tempo todo.
Não ligava quando as pessoas entravam
em casa, mas não as deixava sair. Gostava de morder o calcanhar do Ayrton e ele
não gostava do Pinduca. Como era um
cachorro meio pesado, nunca saia com a gente de carro, mas se alguém esquecia o
portão aberto saia simplesmente (muito diferente das fugidas do Qüem Qüem) e
dava um trabalhão encontra-lo. Uma vez ficou dois dias desaparecido e fomos
encontra-lo no Colégio Anjo da Guarda, do outro lado da rua Cerro Corá. Como
atravessou a rua movimentada numa sexta feira à tardinha, sem ser atropelado
pelo “grande” movimento, ninguém sabe.
Pinduca
Quando nós seis saíamos (o que não era
comum, porque sempre nos revezávamos com meus pais para não deixar a casa
sozinha) a Maria dormia em casa para dar comida a ele. Numa das vezes o Pinduca
que já estava meio doente: tinha a coluna completamente curva, como se as patas
fossem insuficientes para sustentar seu peso, e devia estar comprimindo órgãos
vitais - Morreu quietinho (com 14 anos) e achamos um bilhete falando da morte
dele, e o encontramos morto no quintal. Nem Jurema nem Flavio nem meus pais
estavam. Tivemos que emprestar uma pá, cavar um buraco no jardim e enterra-lo.
Quando todos chegaram, foi um desespero.
Foi até com certo alívio que aceitamos
a morte do Pinduca, porque sempre tinha que se cuidar para que ele não entrasse
em casa. Ayrton não queria e Pinduca se vingava quando expulso de dentro,
levantando a pata e molhando Ayrton.
Pelos tempos do Pinduca, apareceu no
jardim da Caativa que era todo aberto, sem grade, uma cachorrinha que adotou a
casa. Alimentada uma vez, não saiu mais da grama. Cada um que chegava ela
recebia com a maior festa, fosse de casa ou visita. Nós a chamamos de Aparecida, pelas circunstâncias como
chegou. Começou a nos causar problemas,
e Pinduca também não a aceitava no seu espaço, de modo que era a maior
“lateção”. Resolvemos leva-la embora.
Colocamo-la no carro e numa noite de
nevoeiro intenso a deixamos pelos lados da Praça Panamericana. No dia seguinte,
lá estava ela de novo. De novo no carro,
fomos até o Paraíso, na casa de minha tia. A deixamos do lado de fora, no
murinho, na esperança que ela fugisse. Quando, depois de horas saímos, ela
estava como uma estátua no mesmo lugar.
Novamente no carro, fomos mais
longe. A soltamos numa praça e saímos.
Ao parar no semáforo, lá estava ela, com as patinhas na janela pedindo para
entrar. Com dó, a recebemos novamente.
Não sabíamos o que fazer com ela. Na Marginal não queríamos deixa-la,
porque seria atropelada logo, logo.
Acabamos para os lados do Itaim e em
uma praça onde parece que havia um “congresso” de cachorros, a soltamos. Ela
correu ao encontro de seus semelhantes, e “fugimos” nós. Ela não conseguiu mais
voltar ou encontrou outra casa que a acolheu, ou ficou pelo mundo a fora.
Da mesma época do Pinduca foi o Chanú, um gato. Não sei como
apareceu, mas já era adulto quando chegou. Era amarelo e não ligava muito para
a gente, mas bastava chegar visita para que ele pulasse no colo e se enrolasse
feliz. Como bom gato, não era muito fiel
à casa. Saia para suas noites de amor
ficava dias fora e geralmente voltava machucado das brigas que devia enfrentar
por suas gatas.
Uma vez voltou sem um dos olhos. Cada
vez que desaparecia temporariamente voltava pior, mais doente, mais estropiado.
Mas tinha mesmo sete vidas, porque resistia a tudo. No final da vida passou no
lado de fora da casa dias e dias sem se alimentar, sem se mexer, mas vivo. E
então pedimos ao lixeiro que o encaminhasse para algum lugar de atendimento.
Até hoje minha mãe não gosta de lembrar-se do fato, pois ficou a impressão que
o Chanú tinha sido colocado no triturador do caminhão de lixo. Provavelmente.
Sossego durante algum tempo, depois
que Pinduca morreu.
Aí então o Flavio achou que a casa
estava muito quieta. Devia ter brigado com alguma namorada, estava carente e
então entrou em cena a Paloma,
que é outra história.
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