LITERATURA E ARTE ou ARTE E LITERATURA


LITERATURA E ARTE OU ARTE E LITERATURA

 O lado bom desse isolamento (o meu já dura 123 dias) ficar no mesmo espaço nos leva a “ver” o que sempre esteve na nossa frente, mas nunca houve tempo para retomar contato.  E só agora encontrei pastas de trabalho dos idos de 2006, 2007, 2008....


E na pasta de 2008 encontrei um trabalho para a disciplina LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO da profa. Terezinha Tagé em 2008. E para recuperação de conhecimentos e divulgação desses conhecimentos achei pertinente um texto para o Blog

O título do trabalho: A PARTIR DE TELAS DE EDWARD HOPPER PRODUZIR PEQUENAS NARRATIVAS.

Quem foi EDWARD HOPPER - (1882-1967) -


Conhecido como o artista que pintou a solidão e o tédio da vida na cidade. É reverenciado como o expoente máximo entre os pintores realistas norte-americanos.

Nasceu em Nova York e estudou ilustração e pintura na Escola de Arte de Nova York. Em viagem à Europa fez contato com os vários estilos de arte. até encontrar seu próprio estilo

Hopper é um pintor realista imaginativo. . Retratou com subjetividade a solidão urbana e a estagnação do homem causando ao observador um impacto psicológico.  A obra de Hopper sofreu forte influência de Freud e da teoria intuicionista de Bergson, que buscavam uma compreensão subjetiva do homem e de seus problemas.  O tema das pinturas de Hopper são as paisagens urbanas, porem desertas, melancólicas, e iluminadas por uma luz estranha. Arte individualista, expressão de solidão, vazio, desolação e estagnação da vida humana, expresso pelas figuras anônimas.

Pinturas que evocam silêncio, reserva, com um tratamento suave

Escolhi cinco  de suas pinturas e como me foi pedida uma pequena narrativa que cada uma delas me sugeria, dei a cada uma delas o nome que eu achei adequado. Nada com o nome que o pintor lhes deu. 

DESPEDIDA - nome original Aves da Noite - 1942


               

            Fim de noite. Madrugada.

Ainda um tempo de guerra. Tudo é transitório, tudo é da hora, do momento.

Soldados em folga procuram desesperadamente por prazeres imediatos.  Até se vestem com civis para se sentirem mais “normais”. Procuram “mulheres da vida” ou “a mulher de sua vida”.

 

O nosso casal sonhava com um casamento desde meninos quando pela primeira vez se sentiram um homem e uma mulher. Sonho de moça, expectativa de rapaz. A guerra os separou durante muito tempo. E então em um reencontro inesperado resolveram se amar como sempre tinham sonhado. Felicidade transitória, curtinha que continuou no balcão de um bar onde passaram o que restava do tempo deles. Um fim de encontro, um “depois” triste e a esperança de um novo encontro. Despedida dolorosa e amarga.

 

Do lado oposto do balcão alguém sente uma grande tristeza porque está sozinho, porque sua vida não tem sentido e porque sua companheira o deixou para ir embora com outro que não tivesse que voltar á guerra.

 

Indiferente a todos os dramas à sua volta, o garçom serve cafés para o casal e bebida para o solitário. 

 

SERÃO

 

 Problemas em um escritório são atemporais. Qualquer que seja a cidade, qualquer que seja o tempo os problemas são os mesmos. Sempre o “que fazer” é mais do que o “tempo para fazer”. Sobra serviço que tem que ser feito depois do horário do expediente.  São os afamados “serões” que quase nunca são serões mesmo, mas desculpas para outro tipo de “atividade”

F... tem uma pequena empresa com um escritório e durante o período de guerra pouco tem a fazer. Para sobreviver tem que ter muita criatividade, usar de estratégias inteligentes. Foi assim que conseguiu para sua pequena empresa uma encomenda já de material bélico. E tem prazo curto para entregar. Por isso tem ficado até mais tarde no trabalho.

Sua ajudante N... também fica. É uma moça bonita, atraente e “como a ocasião faz o ladrão” acabam por se desejar. Nada de sentimento, nada de emoção. Só necessidade física que ele não satisfaz com a mulher. Seu casamento já não anda bom, mas por causa dos filhos e da situação de guerra que é anômala, continuam juntos.

E os “serões” se repetem sempre. Às vezes por serviço, às vezes não.

Situação especial de um tempo especial.

 

PARADA TÉCNICA

 
      No meio do nada, onde só o verde da floresta domina, a estrada amarela corta o chão e liga a localidade A à          localidade B numa extensão bastante grande.

Em tempos de guerra, não há passeios, não há viagens. Mas sempre há necessidade de paradas técnicas.

 

Testemunha de um tempo de paz e de vida alegre e dinâmica, as três bombas de combustível agora parecem esqueletos vermelhos com cabeças brancas aguardando a morte definitiva. Pouco combustível circula por elas e as três bombas só estão de pé ainda por solidariedade umas com as outras. Uma só seria suficiente.

 

Junto com elas está o guardião desse posto avançado. Sozinho, tem necessidade de conversar, pelo menos para ouvir a sua própria voz. Exulta quando um velho, amassado e enferrujado automóvel para por necessidade técnica do veículo e do condutor. Se for um casal até oferece pouso para ter companhia.

 

Com esse pensamento se alegra quando vê no horizonte algo móvel de quatro rodas se aproximando. Mas, é um veículo militar que vem confiscar o combustível.

 

Nada mais há a esperar. Entra no escritório, abre a gaveta e com o também velho revólver põe fim à sua angustia.


 

PERDA

Durante a semana a loja esteve festiva.  É primavera e há maior variedade de flores. Mas, esta não é uma floricultura qualquer. É a melhor, mais sortida e mais simpática floricultura da cidade.

L... e J... são um casal e cuidam de suas flores com todo o carinho que teriam dedicado a um filho se o tivessem. As flores são seus filhos e filhas. L...J... ficam felizes quando aparecem na loja moças ajustando decoração da pequena igrejinha do lugar para o casamento sonhado. Usam angélicas e lírios.

Dobra a felicidade quando podem também fazer o buquê da noiva feliz. Geralmente de rosas brancas.

 

E acompanham a nova vida do novo casal esperando para depois de um ano (ou menos?) entregar ao feliz pai o ramalhete com que ele vai presentear a nova mamãe.

 

São os momentos felizes de suas vidas compartilhadas.

 

Não gostam muito de fazer coroas para enterros.  Representam tristeza. É sempre um amigo que vai porque nesta cidade todos são amigos.

 

Hoje é domingo. As portas da Floricultura estão fechadas. As flores, já estão murchas porque não foram tratadas.

L... Deitou-se feliz e não acordou. E foram para ela as coroas que J... teve que fazer

 

Sozinho, sentado no degrau de sua casa de portas fechadas, ainda sente o cheiro dos lírios, dos lilases e das rosas com que cobriu o lugar do último descanso de L...

E, a solidão pesa. É um fardo muito maior do que ele pode aguentar. Certamente não mais trabalhará com flores. Depois de colocar em ordem toda a contabilidade – o que já começou arregaçando as mangas - vai mudar de cidade, procurar outros ares onde seja mais fácil viver sem a sua L.

 

 ESPERA

A espera é sempre algo angustiante porque é o desconhecido. O que se espera pode ou não acontecer pode ou não ser agradável. Por isso a expressão preocupante é reconhecível na fisionomia de quem espera.

L... vive numa pequena cidade com sua mãe.  Há dias recebeu uma carta que a surpreendeu e a deixou estarrecida; foi difícil disfarçar quando sua mãe perguntou sobre o remetente. Inventou uma história possível: uma antiga amiga que morava em outra cidade contava as novidades.  Na verdade, a carta era de uma pessoa que se dizia sua irmã. Contava que J... como viajante tinha duas famílias em duas cidades diferentes. Sempre teve manejo da situação de modo que durante mais de 20 anos as famílias não se conheceram nem sabiam da existência uma da outra.

Mas, J... havia morrido e a outra mulher também. Já era tempo do que restou das famílias se conhecerem. M... queria conhecer a irmã porque ela se sentia muito sozinha. Queria a companhia de alguém ligado por laços de sangue. Era uma necessidade afetiva.

L... guardou a carta, não contou nada à mãe. Não queria faze-la sofrer antes da hora. Marcou um encontro com essa irmã desconhecida para conversar e resolver o que fazer. 

Nessa espera ficou lembrando toda sua vida e por isso parecia absorta em pensamentos quando foi flagrada por um “fotógrafo”.

Está se perguntando: Como vai ser daqui para frente? Vou gostar dessa irmã desconhecida? Como minha mãe vai receber a notícia? 

Ainda não tem respostas.

 

Narrativas  sugeridas por pinturas de Edward Hopper e escritas por Neuza Guerreiro de Carvalho em abril 2008

 

 



Comentários

Ana Lucia disse…
Adorei tudo isso!!!! maravilhoso ler suas interpretações com tanta classe!
Tempo de abastecimento espiritual. UM achado que foi compartilhado é mais valioso.

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