MISSÃO CUMPRIDA
Quem leu minhas postagens anteriores por certo ficou
sabendo e por que eu não gosto de velório e nem de enterro. E na sequencia também
não gosto de cemitério. E quem gosta?
Mas, ainda tinha um cemitério ligado à minha vida. Um cemitério
vip, com “habitantes’ de top, visual lindo, e por isso mesmo caro para manter o
verde a perder de vista, e um
atendimento especial. Para quem pode e quer.
Não tenho nada a ver com isso e resolvi resolver uma a
situação no mínimo incômoda. Mas ainda
estavam lá o que chamamos de “restos mortais” e ficariam lá enquanto eu pudesse pagar a
manutenção.
O que fazer para resolver? E uma ideia surgiu na
sequencia da minha DOAÇÃO DE CORPO. Foi
a DOAÇÃO DE OSSOS.
Cuidei da parte burocrática com o Serviço Funerário,
contatei a administração do cemitério e o Departamento de Anatomia da Biomédicas
da USP. O que restava materialmente
do Ayrton, depois de 14 anos seriam doados para estudo.
Isso foi feito com todo o apoio do Departamento de Anatomia
USP, com a presença de funcionário do referido departamento além da nossa, seus
familiares diretos, esposa e filho, presença exigida por lei.
Tudo certo dentro
do maior respeito pela situação.
A mim soou como MISSÃO CUMPRIDA porque alÉm de me “despregar” do cemitério, permitiu que Ayrton
ainda exercesse sua cidadania, contribuindo para o progresso da Ciência.
Dirigindo-me a ele como sempre,escrevi alguma coisa,
ditado pela emoção. Aqui vai esse texto.
PARA
AYRTON EM 23 DE JANEIRO DE 2014
AYRTON
– SEMPRE PRESENTE - NUNCA ESQUECIDO
Sempre
amado como nas palavras de Carlos Drummond de Andrade:
“Esse
longo caminho percorrido
Lado
a lado, nos bons e maus momentos
Fez
de nós dois um ser unificado
Pelos
mais fundos, ternos sentimentos”
Vim te trazer.... Vou te levar....
Há quase 14 anos eu te
trouxe para cá. Te acompanhei à sua
última morada. Te deixei neste verde tranquilo, e depois do ritual das flores e
dos punhados de terra, andei de volta, sem você. Ficou um monte de terra cheio
de flores sem identificação.
Difícil foi ver seu nome em
uma placa de bronze. Materializava o
fechamento do seu ciclo de vida. Teu ciclo de vida de começo e fim marcado em números.
Nos primeiros tempos ainda
voltei. Por quê? Você sempre esteve em
mim, somado, assimilado, amalgamado com o meu ser e é como sempre te
senti. E fui me desligando do espaço.
Mas, desde sempre te vejo em
teus melhores tempos, sempre com flores frescas aqui no nosso espaço e não
naquele que já não me dizia nada.
O tempo passou, novos
pensamentos, filosofias de vida assentadas e eu senti que ainda poderia te
fazer “presente” neste nosso mundo. E resolvi te
dar a oportunidade de fazer algo pela ciência, que foi sempre tão importante
para nós.
Vou te levar...., com todo o
respeito, a um espaço que conheço e confio na idoneidade e sensibilidade. O que
ficou de material será respeitado e visto agora com olhos científicos.
Estou consciente, sem
traumas nem conflitos, com a calma, a tranquilidade e o prazer de ter encontrado
nessa decisão, que não foi por impulso, mas amadurecida, uma maneira de te
homenagear.
Cumpre o teu papel de agora
e que ele seja o melhor possível. A tua memória será ainda preservada através dos
tempos.
Até um dia. Farei o mesmo pela pesquisa e pela ciência.
Que este gesto seja seguido
por quem acreditar que ainda podemos ser úteis muito depois de ter “fechado o
nosso ciclo de vida”
Neuza
Guerreiro de Carvalho
Em
23 de janeiro de 2014 – Cemitério do Morumby
Dia
da exumação de Ayrton de Carvalho
Comentários
Louvável a sua atitude de amor para com o Ayrton e a pesquisa científica! Realmente, o que fica são os momentos partilhados, vividos e amados. Isso é exemplo de vida!
Abraço.
Há alguns anos companho e admiro o seu blog, acho linda sua história de amor e respeito com Airton. Sua atidude é louvável, penso muito parecido com você sobre os restos mortais, já comecei a amadurecer a ideia de fazer a mesma coisa com o meu corpo.