CONVOCADA, AUTUADA, FICHADA E COM DEPOIMENTO ARQUIVADO NO QUARTEL DO SEGUNDO EXÉRCITO DE SÃO PAULO.

Quando eu relatei o que foi minha vida de professora, não mencionei que os livros de Ciências da época continham (quase) todos os aparelhos e sistemas para o funcionamento do corpo humano, ensinavam como o Homem nasce, cresce, funciona e morre. Nada sobre Reprodução. Parecia que as crianças nasciam de geração espontânea ou como dizia uma colega já adulta e casada que pensava que as crianças vinham em repolhos.

Era década de 50, e falar em órgãos masculinos e femininos, jamais!!! Era tabu. Sempre tive minhas próprias idéias e acreditando na necessidade desse conhecimento, comecei a quebrar esses tabus. Tinha que fazer meus próprios esquemas gráficos e falar com a mesma naturalidade em testículos, pênis, ovários, vagina, com que falava em estomago, coração, ossos, músculos.

Entrou 60 e eu continuei sempre melhorando os esquemas e meus filhos cresceram entre esses desenhos, de ovários, vaginas, testículos, pênis. As perguntas naturais recebiam respostas sempre corretas. A informação, a formação e a educação sexual deles foi sendo feita gradativa e paralelamente às minhas aulas.

Mas, acreditando que a complementação desses estudos caberia aos pais, passei a dar palestras também para os pais para os quais tudo era novidade. Sabiam tanto ou menos que os filhos antes das aulas. Minha atitude, um escândalo. Mas uma boa aceitação. A Orientação do Colégio e eu enfrentamos todo tipo de pais. Mas o produto final foi positivo porque gerou um contato maior entre pais e filhos e mães e filhas. E isso era década de 60 (50 anos passados)

A década de 60 vai chegando ao fim, a Ditadura Militar se instala, os valores impostos mudam, mas eu continuei naquilo que acreditava. Olhando em perspectiva de tempo, vejo que fui muito, mas muito corajosa.

Em um tempo em que tudo era proibido, tudo era considerado politicamente incorreto eu ignorei esses novos valores. Não me parecia errado o que eu fazia porque não se ensinavam comportamentos, mas se levava conhecimento do próprio corpo, que para as “inteligências” dos dirigentes da ditadura, eram tabus.

Em conversas informais em casas de alunos, discutia-se sim esse assunto. Isso me valeu um convite para comparecer ao Quartel do Segundo Exercito de São Paulo para uma conversa informal. Ofereceram-me condução, cafezinhos, atitudes gentis. E na verdade foi um depoimento oficial em que fui minuciosamente perguntada sobre cada palavra que se falava nessas reuniões.. Identificada (RG e CIC) em um documento lido e assinado. Não sei se não cheguei a ser vigiada depois disso

.Acho que parou por aí e não me amedrontaram. Continuei a trabalhar no que achava certo.

Fui “autuada” e o depoimento deve constar dos arquivos. Do que me orgulho. O certo é que passei a fazer parte de uma minoria que continuou a fazer frente à imposições de força.

Comentários

...Não se pode conter a primavera...

Beijos
Isso é um causa justa.
Sexualidade tem que ser discutida sim, porque além de ser a coisa mais normal do mundo, deve sempre estar sendo discutida.
Marta Bellini disse…
Amei seu Blog!

Vou fazer o link lá em casa!

Abraços

PS. Estudei em livros didáticos semelhantes na década de 60.
Anônimo disse…
vovó, em qq lugar, qq época tem cretinos e idiotas de tudo quanto é jeito. Mas tem muita gente boa e conheci muitos. Desafio que seja mostrado algum milico daqueles que ficou rico como acontece com todos esses "perseguidos" que aí estão hoje lépidos e fagueiros enchendo bem os lados das calças. Se aqueles ditadores tivessem sido tão maus assim eles não estariam aí hoje fazendo a nojeira que fazem. Ou não? Experimenta ir lá em Cuba, China, Coréia do Norte e faz oque fizeram aqui, falem o que falaram aqui!!! mesmo assim, defendem com unhas e dentes tudo quanto é ditador assassino da laia, p.ex. de um fidel e um terrorista assassino que nem o Che...E o moralez, chávez é outros cretinos que ainda se dizem comunistas, stalinistas(o maior carniceiro da história)? Ridículos, paranpoicos que recebem toda atenção e parceria do governo do brasil, claro que às nossas custas, a esfolada classe média.
Anônimo disse…
meu nome é Mozart e postei o comentário sobre os comunistas que são tão admirados pelos atuais governantes, desde que sejam de esquerda, claro. Se for ditador de direita, aí não presta...Hilário, se não - trágico.
Abraço fraterno vovó, mas tenho 64 anos, médico e trabalhando muito na iniciativa privada e sempre voto nulo.
Karen Kipnis disse…
Adorei saber mais um pouco sobre você, querida Neuza! Continue contando seus casos neste mesmo bat-ciberespaço e mesmo bat-blog.
Beijo,Karen Kipnis
( Escrevivendo Casa das Rosas)
Marcos Nogueira disse…
Dona Neuza.
Cá estou novamente, agora fazendo um comentário sobre outro assunto. Li o que disse Dr.Mozart, a respeito da "ditadura militar", sem entrar no mérito da questão, pois também com 64 de idade,tenho opinião semelhante à dele, militar que fui naqueles tempos, percebo que a senhora também tem direito a ser "indenizada", pois já que esse moço que está no poder hoje está recebendo uma pensão especial (além do régio salário que lhe pagamos), por ter sido apenas convocado a dar explicações por sua atividade sindical ligada aos terroristas que hoje se juntam a ele no Planalto, a senhora o merecia também, pois talvez tenha sido psicológicamente mais prejudicada do que aqueles que militavam na marginalidade.
Pense no assunto...
Fraternal abraço.

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