UM GRANDE AMIGO QUE PARTE PARA OUTROS MUNDOS



Isto não é um necrológio. É a história de uma grande amizade,  curta em  tempo, mas maior que o mundo.
Um egipcio por nascimento, um brasileiro por adoção, um cientista internacionalmente reconhecido, um pesquisador como poucos, um amigo para todas as horas.....Nascido em Alexandria já abriu os olhos em um templo de sabedoria. Os primeiros ares que respirou  foram ares de conhecimento que foi acumulando ao longo da vida.  O  último ar que exalou foi paulistano e deixou como herança  todo esse conhecimento.

Este foi César Ades.

Não quero escrever sobre seu percurso acadêmico.Será escrito à exaustão pela mídia. As mil coisas que ele fez ou deixou encaminhadas serão relacionadas, analizadas, parabenizadas, exaltadas. E durante muito tempo.

Eu quero escrever sobre César amigo.

Encontrei pessoas que lhe tinham amizades há mais de 40 anos sempre continuada. E todos estavam perplexos diante do inacreditável    de sua  morte.

Eu não o conheci há tanto tempo assim. Nosso primeiro contato foi em 26 de maio de 2003 – menos de 10 anos -  através de um e-mail onde  os geólogos da Glette convidavam para o plantio de uma muda da Figueira da Glette. Não pode comparecer, se desculpou. Era um gletiano porque a Psicologia Experimental funcionou em tempo nos porões da Glette.Foi lá que ele cuidou de ratinhos, das formigas do prof. Walter Hugo. Foi lá como “Barbicha “ que ele mergulhou no comportamento dos animais  e fez disso sua meta  de estudos.


 Com a sensibilidade que sempre lhe foi característica, abraçou literalmente  a defesa da Figueira da Glette, a referência do nosso passado estudantil, uma vez que o palacete já tinha sido demolido. E já no dia 3 de junho se interessou por uma muda (clone) da Figueira para os jardins da Psicologia. Visitou a Figueira in loco, fez lista de psicólogos gletianos para um contato maior. Queria – e queríamos- recuperar a memória coletiva através da Figueira.


Durante tempos nos comunicamos por e-mail só. Só muito depois nos  conhecemos pessoalmente e numa primeira vez é como se  sempre nos tivéssemos conhecido. Acabamos por conversar na copa, tomando café. Nos quase quatro anos que se seguíramos os contatos não foram muitos.O grupo Figueira da Glete de geólogos tomava conta  da árvore. Mas, os gletianos da História  Natural,Química e Psicologia  também se envolveram com ela.
Ainda não tinha começado a saga  da Figueira, com propostas de tombamento, retirada de mudas que sempre morriam. Mas com perseverança conseguimos 4 clones. E foi plantada a ideia de uma exposição sobre a Glette como motivação de uma confraternização. De reencontros gletianos.
Em 2006   a ideia de se fazer uma exposição sobre a Glette saiu do "vamos fazer" para o "fazer mesmo".Foram muitos os projetos discutidos, Muitos nomes propostos para finalmente  a exposição ter  o  nome de “A Glette: um momento na História da  Psicologia da USP”  Foi bastante trabalho, feito com muito prazer, dia todo na vespera da abertura e no dia 21 de novembro, com  os convidados chegando ainda estavam sendo dados os últimos retoques.. César punha a mão na massa, arrastava floreiras, pregava  as fotos, providenciava o que faltava.  E tudo resolvia.


 Nos intervalos relaxantes, César contava histórias. Sempre tinha uma para cada situação.E ouvi alguém dizer que se seu nome fosse falado depressa  “cesrades” soava como Sherazade contadora de histórias como ele.

Com César no comando, Angélica, Carlos Vilela, eu e o Wanderlei aprontamos a exposição. Dia do plantio do Clone da psicologia. –     21  novembro de 2006. Exposição um sucesso.
César plantou o clone na maior alegria e era tão ligado àquilo que representava a memória de seu tempo de graduação, que uns dois ou três  meses depois, recebemos fotos da figueirinha com  aranhinhas tecendo teias. E a legenda foi: “Olha a Figueirinha. Já tem vida!!”

                                     

Mas, para a exposição não houve tempo para um catálogo. Começamos a organização, mas ele foi se tornando tão grande que acabou por ser um livro.  César dizia que queria um livro não acadêmico, com depoimentos pessoais, com histórias  da Glette fotos, muitas fotos daquele tempo.E assim está sendo feito.
A semente do livro  foi plantada em  2007. Os anos passaram, as reuniões se sucederam, Viktoria começou a fazer parte da equipe. Todos fizeram suas partes. Edições, revisões, tudo devagar porque todos tinham seus afazeres pessoaisl
Mas, quanto mais o tempo passava mais nos envolvíamos e mais nos “amarravamos” uns aos outros por fios de amizade que iam engrossando a cada reunião. Era um prazer todos os encontros na sala de Memória da Psicologia com o chá com bolo e as prosas paralelas   nos intervalos de decisões.

Carlos Vilela- Viktoria- Neuza - Angélica - César

E César se mostrava cada vez mais um lider nato. Sua visão abrangente, sua rapidez de decisões, sua maneira simpática de tratar uns e outros, seu sorriso contagiante, foram  responsáveis  pelo sucesso ainda parcial do livro que está em fase quase final .É nosso ponto de honra acabá-lo e publicá-lo.  Era o seu projeto atual. Nos seus últimos dias ainda  deu  à Angélica, o caminho mestre para a arrancada final.

Para mim,  essa convivência de  uns 10 anos criou uma amizade profunda, enorme, pelo compartilhar de ideias, decisões, participações. Foi sempre o nosso Guru, como o   “chefe da gang” como eu o chamava.

Este foi César Ades. Até o dia 8 de março de 2012. Arrastou-se vivo   ainda durante 7 dias para  no dia 15 de março tudo acabar.

Não se morre aos 69 anos quando ainda se tem  um longo caminho pela frente. Toda uma juventude acumulada para ser usada.  Mas, se morre em São Paulo, na Avenida Paulista e de atropelamento. Maneira desgraçada de morrer. E num “puft” apagou –se uma cabeça  repleta de conhecimentos, de emoções e de sentimentos. O corpo demorou mais para desistir. E César, partiu para outros mundos levando consigo a lembranças dos primeiros ratinhhos  de seus estudos, e as atuais aranhas que devem ter tecido uma teia muito mais delicada  e carinhosa para ajudá-lo nesse ritual de passagem.

E se é verdade que ele estava caminhando com os fones de ouvido, com certeza estaria ouvindo Poulenc, um compositor número um de sua lista de  músicas preferidas. Se foi assim, seus últimos segundos foram sonoramente prazerosos.

 Na minha lembrança Cesar sempre terá um lugar privilegiado entre amigos, com as lembranças dos nossos jantarzinhos de fim de ano, quando os cinco nos reuniamos aqui em casa para prosear , comer um “escondidinho de carne seca” ou um “macarrão com pesto”.
Nesses momentos ele fazia parte da minha família mais proxima. Conheci pouco sua familia,mas o adotei para a minha.
Ave César.Teus amigos te saudam.
                                               Neuza Guerreiro de Carvalho
                                                           15 de março de 2012

Comentários

Célia disse…
Querida Neuza! Sensiblizou-me a notícia dada pela mídia! Agora, mais ainda com seu post de lembranças e sentimentos de um grande amigo, acima de tudo!
Orações! Abraço da Célia.
Viktoria Klara disse…
Obrigada, Neuza, por seu texto escrito não com os dedos pressionando o teclado, mas com as pulsações mais profundas do coração. Você foi a nossa porta-voz. Ninguém teria se expressado melhor.
Anônimo disse…
Olá passando para conhecer o blog gostei mta coisa legal aqui. Bjus boa semana p vc
Lucas Torres disse…
Olá Neuza,
tive a oportunidade de conhecê-la na Estação Ciência, junto à M. Inês. A vi em janeiro, não sei se vais te lembrar de mim. Admirei a tua forma de expressar amor por alguém que consideras especial. É uma forma carinhosa que demonstra atenção pelo outro em um mundo tão egoísta. Coloquei uma foto tua e da M. Inês em meu quarto, tão distante de S. Paulo: me inspiro em pessoas tão humildes, que acreditam em que está disposto a aprender. Quero muito estar espiritualmente próximo de pessoas como tú. Abraços. Lucas Torres/RS.

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