SOBRE A ÓPERA ORFEU E EURÍDICE NA PRAÇA DAS ARTES DE SÃO PAULO


27 DE OUTUBRO DE 2012 – Um pouco antes de sair para assistir à ópera, tive oportunidade de ouvir pela TV Senado um programa gravado em Alhambra, Granada, Espanha e regido por Daniel Baremboim. Ouvi um pedaço da sinfonia nº 5 de Tchaikovsky, um concerto de violoncelo e contrabaixo com orquestra e o Prelúdio e Morte do amor da ópera Tristão e Isolda de Wagner. Isso como preparativo do que viria a seguir.

18,30h, depois do susto que um temporal me pregou (não poderia sair com tamanha chuva e ventania) saí de ônibus agora não ao Teatro Municipal, mas na nova Praça das Artes. Desci um ponto depois, na rua Conselheiro Crispiniano onde eu sempre via uma parte dessa Praça das Artes.

Tudo escuro, nenhum movimento. Conheço o lugar e virei para a Av.São João na parte  do Boulevard São João. Tapumes, cones isolantes, mendigos esparramados desesperados por tostões para o seu crack.  Passo em frente ao Conservatório, todo pintadinho, todo branquinho e sem ninguém. Mais uma virada e caio na Rua Formosa, em pleno Anhangabaú em um trecho em demolições, calçadas irregulares, quebradas, e em um lugar inesperado pela apresentação inacabada, a entrada para a Praça das Artes.  Tudo improvisado, A indicação “sanitários” se referia a banheiros químicos.

Entrei então em um caixotão e concreto com cadeiras (320) meio incomodas dos dois lados de um “buraco” onde fica a orquestra. Felizmente pela minha idade fui levada para lugar especial, na primeira fila.  E enquanto não começava o espetáculo, deu para passar os olhos pelo entorno. Tudo concreto, janelas ainda sem vidros. Embora eu já tenha tomado contato com teatros de Música diferentes outras épocas (por volta de 1970 íamos ao MASP que era então estranho por ser todo ele de concreto) é sempre agradável e aconchegante estar entre cortinas e tapetes e com obras de arte a nos rodear.

A primeira impressão positiva: a orquestra, “quase” ao nível fica em um fosso pouco profundo e visível pelos espectadores. Cria uma boa relação visual e participativa. Mas, nada indicava onde seria o palco. Surpresa proposital dos organizadores. 

Enquanto não chegava a hora, foram chegando as “autoridades” das quais só reconheci o prefeito Gilberto Kassab (naturalmente se distraindo da tensão causada pela eleição de amanhã, mas cumprindo o seu dever de prefeito) e o Secretario Municipal de cultura, Carlos Augusto Calil.  Muitos outros deviam estar presentes, mas não os reconheço. Na plateia estava o Maestro Abel Rocha, velho conhecido das muitas regências e que eu preferia ter sido ele o regente. Nada contra Nicolau de Figueiredo que eu preferia guardar lembrança como cravista e seu cravo pessoal.    Não o conhecia como regente. Não posso opinar.  
Um texto com pelo menos duas versões de Orfeu e Eurídice seria desejável, para se conhecer melhor Hades, Perséfone, Mnemósine, Creonte, Cérbero... Mas, para quem não conhece a história, aqui vai uma complementação.

O MITO GREGO DE ORFEU E EURÍDICE
Um dos mitos mais populares é o de Orfeu. Ele teria sido o mais talentoso dentre todos os músicos. Orfeu era filho da musa Calíope e, segundo alguns, do deus Apolo, que presenteou o filho com uma lira. Quando Orfeu a tocava, os pássaros paravam para escutar, os animais selvagens perdiam o medo e as árvores se curvavam para pegar os sons que o vento trazia.
Orfeu se apaixonou pela bela Eurídice e se casaram. Ela era tão bonita que despertou o interesse de outro homem, Aristeu. Depois de recusar Aristeu, este passa, contudo, a persegui-la. Durante a fuga, Eurídice tropeça em uma serpente. O animal pica Eurídice - e, sob o efeito do veneno, a jovem morre.
Desesperado e sofrendo, Orfeu foi até o mundo dos mortos com sua lira para resgatar Eurídice. A canção emocionada que entoa convence o barqueiro Caronte a levá-lo e, em seguida, faz adormecer Cérbero, o cão de três cabeças que vigia a entrada do mundo inferior.
Encontra Mnemósine a musa da memória que lhe pergunta se quer esquecer tudo e continuar a sua vida ou prefere ir em frente tentar recuperar Eurídice. Ele escolhe a segunda opção.
Quando Orfeu chega perante Hades, o deus do submundo fica muito irritado ao ver que um vivo conseguira penetrar no mundo dos mortos, mas a música de Orfeu o comove. Perséfone, que estava com Hades, o convence, então, a atender ao pedido do músico.  Hades concorda, mas coloca uma condição: Eurídice pode sair seguindo Orfeu, mas ele só deve olhar para ela novamente quando estiverem à luz do sol.
Orfeu parte, então, pela trilha íngreme que leva para fora do mundo inferior, tocando músicas de alegria e celebração, a fim de guiar a sombra de Eurídice de volta à vida. Ele não olha nenhuma vez para trás, até atingir a luz do sol. Mas, então, vira-se, procurando se certificar de que Eurídice o está seguindo. Por um momento ele a vê, perto da saída do túnel escuro, perto da vida outra vez. Mas, enquanto ele olha, ela se torna de novo um fantasma, seu grito final de amor e pena não mais do que um suspiro na brisa que sai do mundo dos mortos. Ele a perde para sempre.
Em desespero total, Orfeu se tornou amargo. Recusava-se a olhar para qualquer outra mulher, não querendo lembrar-se da perda de sua amada. Um dia, furiosas por terem sido desprezadas, um grupo de mulheres selvagens chamadas “bacantes” caío sobre ele, frenéticas, atirando dardos. Os dardos de nada valiam contra a música do lirista, mas elas, abafando sua música com gritos, conseguiram atingi-lo e o mataram. Depois despedaçaram seu corpo e jogaram sua cabeça cortada no rio Hebro, e ela flutuou, ainda cantando, "Eurídice! Eurídice!"
Chorando, as bacantes reuniram seus pedaços e os enterraram no monte Olimpo. Dizem que, desde então, os rouxinóis das proximidades cantaram mais docemente que os outros. Pois Orfeu, na morte, se uniu à sua amada Eurídice.
A história de amor de Orfeu e Eurídice inspirou artistas ao longo do tempo. Poetas, pintores e escultores e músicos tentaram representar uma das histórias de amor mais antigas e comoventes da cultura ocidental, cada um de acordo com o estilo de sua época.
 No Brasil, o poeta Vinicius de Morais escreveu a peça Orfeu da Conceição, que foi premiada em 1954, no concurso de teatro do 4º Centenário de São Paulo, e que serviu de inspiração para o filme Orfeu, de Cacá Diegues, em 1999.
                                        Orfeu conduzindo Eurídice – Corot  1861
                          
              Orfeu e Eurídice por Marc Chagall (modernista, em 1977)
Escritores romanos como Virgilio (70aC)  e Ovidio (43aC) escrevem sobre Orfeu e Eurídice.  Virgílio nas Giórgicas descreve a viagem de Orfeu ao mundo dos mortos e Ovídio nas Metamorfoses narra a visita de Orfeu ao mundo dos mortos. Os detalhes  nos escritos de ambos, são diferentes: Ovídio oferece um final feliz, Virgílio não.
No Brasil, o poeta Vinicius de Morais escreveu a peça Orfeu da Conceição, que foi premiada em 1954, no concurso de teatro do 4º Centenário de São Paulo, e que serviu de inspiração para o filme Orfeu, de Cacá Diegues, em 1999.
Orfeu da Conceição é uma adaptação em forma de peça musical do mito grego de Orfeu transposto à realidade das favelas cariocas. A obra marca o encontro artístico do autor Vinicius de Moraes com Antonio Carlos Jobim que musicou todo espetáculo. O espetáculo estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro  em  25 de setembro de 1956  com cenários de Oscar Niemeyer. Encenado pelo Teatro Experimental do Negro de Abdias Nascimento], foi a primeira vez que um elenco de atores negros ocupava o mais famoso teatro brasileiro.

Na música o mito grego de Orfeu e Eurídice foi trabalhado por Monteverdi e Gluck.

L'Orfeo (Orfeu) de MONTEVERDI tem sido considerada pela crítica a primeira obra-prima do gênero operístico, A obra inicia com um prólogo abstrato onde a Música personificada descreve os seus poderes. Em seguida a cena se transfere para o campo, onde, em um clima de júbilo, se prepara o casamento de Orfeu e Eurídice. No mesmo dia das núpcias Eurídice morre, picada por uma serpente, e desce para o mundo dos mortos, de onde ninguém jamais retorna. Transtornado, Orfeu resolve resgatá-la pelo poder de seu canto, e ele de fato consegue comover Perséfone, a rainha dos mortos, que apela para seu marido Hades libertar Eurídice. Hades outorga-lhe a graça, sob a condição inviolável de que em sua volta à superfície Orfeu conduza Eurídice sem olhar para ela, e sem poder revelar-lhe os motivos para tanto. Confusa, Eurídice suplica a Orfeu que lhe conceda um olhar, e Orfeu, vencido pela paixão, volta sua face para a amada e seus olhares se cruzam. Quebrado o voto, imediatamente Eurídice é envolta outra vez pelas sombras da morte e desaparece. Consumido pela dor, Orfeu entoa um sombrio lamento, condenando a si mesmo pela sua fraqueza, causa da desgraça de ambos. A ópera encerra com Orfeu já na superfície, sendo consolado por seu pai, Apolo, que o leva para o céu, onde ele poderá recordar os traços de sua amada na beleza do sol e das estrelas. 

Orfeu ed Eurídice de GLUCK segue os passos  da história, mas o final é diferente:   Eros –o deus do Amor - impede  Orfeu de se suicidar e compadecido, traz Eurídice de volta à terra onde juntamente com o coro de pastores e ninfas celebram os poderes do amor e da música.Grupos festejam o retorno de Eurídice no templo dedicado ao Amor. Orfeu entoa o coro final da ópera, celebrando o triunfo do Amor.

Nota – em vermelho as diferenças entre Orfeu de Monteverdi e de Gluck

Foi este Orfeu e Eurídice de Gluck que foi apresentado no dia 27 de outubro na Praça das Artes, pela primeira vez – mesmo em estilo precário – usada para apresentações públicas.

Voltando agora aos comentários dessa montagem da ópera Orfeu e Eurídice. Já comentei várias vezes que a minha estrutura musical de “ouvinte” de música há mais pelo menos 40 anos, está fortemente construída.  Meus conceitos de ópera são aqueles do meu tempo, com as montagens tradicionais, com o figurino do tempo em que o libreto tinha sido escrito e a música composta, o cenário o mais perto possível daquele escrito. 

O tempo passa as coisas mudam (lugar comum!!!!!)  e se queremos sobreviver temos que acompanhar as mudanças, tudo tem que ser mudado dentro de nós mesmos. Desde o espaço onde as coisas acontecem, a forma de apresentar o espetáculo... quase tudo enfim. Digo quase porque a orquestra, os músicos, os instrumentos e a música sempre continuam as mesmas.

Quando se vive muito como eu, aceitar o novo requer que a estrutura do já assentado seja substituída. Não cabem as duas na apreciação. Mas é difícil, quase impossível. Então, procurei sempre mediar e ficar com parte do novo, mantendo o prazer pelo velho.
Assim, quando me perguntam se gosto dessas encenações novas (ultimamente Pelèas e Melissande, Violanta e Uma tragédia Fiorentina) respondo que não sei. Preciso de um tempo de assimilação. A música com seus interpretes (maestro, músicos e instrumentos que varia de peça para peça e principalmente os coros) é a mesma sempre e isso já significa metade do prazer conseguido.  Às vezes até fecho os olhos para ouvir só a música. O resto é questão de ir ajeitando com a música.
Parto também do principio que é preciso dar crédito aos inovadores. Tem outra cabeça, outra formação, outra cultura e uma grande criatividade.

A primeira surpresa foi o “palco’. Era tudo em volta ao “fosso” (que não era fosso) da orquestra e as grandes placas de tapume uma vez retiradas deixavam ver mais espaço de movimentação. Até um carro fez parte do cenário trazendo a soprano que interpreta o AMOR. Coro meio misturado com corpo de baile, mas sempre eficientes os dois grupos. Figurinos surpreendentes, às vezes chocantes – o Amor com um capacete, sapatos na moda e até óculos escuros - Orfeu, que há séculos tinha sido interpretado por um “castrati”  foi representada por um contralto, de ponta a ponta do espetáculo vestida com um fraque. Eurídice de botas desenhadas e vestidos  sobreposto em camadas. Foram só esses três atores os principais.Faltou a “lira” que identificaria bem o mito.

Mas, quem não conhecia a história teve dificuldade em entender o simbolismo.

Da  música – que eu não conheço bem – foi lindo o solo de flauta tocada como solo nas alturas e o oboé  complementando. Mas a música sempre esteve ligada aos momentos de tensão ou de tranquilidade.

Gluck teria gostado, uma vez que em sua época essa sua ópera representou uma faxina no que se usava, voltando à simplicidade. Foi o inovador de então.

Nada como colocar em papel (ou tela do computador) todas as minhas impressões e pesquisas complementares, o que eu gosto de fazer. 



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

QUARESMEIRA OU MANACÁ DA SERRA?

EU E A USP

SETE ANOS