MEU PRIMEIRO BAIRRO - O BRÁS

Foi o Brás da década de 30. Um Brás que se originou da Igreja do Senhor Bom Jesus de Matosinho, na várzea do Carmo, erigida pelo português José Brás. Suas várzeas e brejos foram caminho de passagem para os paulistas que se dirigiam à corte, no Rio de Janeiro. E esses viajantes pagavam imposto de passagem (o bisavô dos pedágios atuais). O seu primeiro espaço comunitário foi a Praça do Brás, ao redor da qual ficavam chácaras famosas: do Bresser, do Coronel Inácio de Araújo com suas parreiras e fábrica de vinhos e licores, das chácaras de Bohemer e Henriksen com suas fábricas de cerveja.

Um Brás que foi lento em seu progresso em função das constantes inundações da várzea do Tamanduateí e só começou a progredir em 1870, quando as margens do rio foram saneadas e foi construído o Parque Dom Pedro II, área de lazer, banhos e esportes dos paulistanos.

Um Brás que saltou e se fez bairro, a partir da chegada da Estrada de Ferro do Norte, inaugurada em 1837, ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, quando a Estação do Brás alavancou todo o progresso.

Um Brás que pagou seu preço ao progresso com o problema das “porteiras do Brás” que durante muitos anos interrompeu por tempo significativo todo o trânsito da região. Bem-vindos viadutos que chegaram: do Gasômetro e Alberto Marino.

Conheci o Brás dos imigrantes italianos e espanhóis. Das ruas Benjamim de Oliveira (primeiro palhaço negro brasileiro) e Correia de Andrade.

Da Rua Benjamim de Oliveira poucas lembranças, mas a imaginação, alimentada pelas muitas histórias dos pais e avós, faz entrever as casas simples, habitadas por duas ou três famílias, que se contentavam com um dou dois quartos, uma cozinha, e uma “casinha” geralmente no fundo. Janelas e portas diretamente nas calçadas. Convívio forte entre os moradores em pequenos espaços materiais, com seus entreveros, suas “fofocas”, suas brigas, mas também com participações totais em festas, em conversas nostálgicas de uma pátria distante, em cantos saudosos.

Da rua Correia de Andrade mais lembranças fotográficas das casas, só um pouquinho melhores. A proximidade de uma grande avenida, a Rangel Pestana com a “venda” de que nos servíamos, o Empório Barsotti, a loja de móveis Paschoal Bianco e a loja de presentes e importados, as Casas Pirani. Rua da Escola Sete de Setembro com a professora Etelvina, que já tinha ensinado meu pai e que também me ensinou as primeiras letras.

O Brás do meu primeiro grupo escolar, o Romão Puigari, um belíssimo prédio de concepção Ramos de Azevedo e que já tinha 40 anos quando eu o conheci. Está lá até hoje, ocupado seu espaço privilegiado bem em frente à Igreja do Brás.

O Brás da construção de uma passagem subterrânea para pedestres ligando a calçada da Igreja com a calçada do Grupo Escolar. Não existe mais, substituída pelas obras do Metrô, mas nunca foi esquecida pela movimentação, confusão e problemas trazidos pela sua construção. Na minha visão de menina era um “buracão” amedrontador que fez parte do meu cotidiano durante algum tempo.

O Brás dos primeiros cinemas que conheci: o Mafalda, o Olímpia e das matinês conhecidas mas não freqüentadas, a memória auditiva que permanece, do barulho das sirenes das “assistências” , quando o cine Oberdan no atual Largo da Concórdia, foi cenário de uma tragédia com muitos mortos e dezenas de feridos, a maioria crianças da matinê das 14 horas.

O Brás do “footing” que eu via de longe, mas não entendia nos meus 7 ou 8 anos. Dos carnavais, dos corsos da Avenida Rangel Pestana repletos de serpentinas e confetes que forravam o chão.

Só até aí vai a minha lembrança do Brás. Mudei de bairro, mudei de espaço, outras lembranças, outras vivências.

Comentários

Anônimo disse…
Vovó Neuza
A senhora precisa conhecer o Pedro Nastri, um apaixonado pelo Bairro do Brás.
Beijos
Lolly Pop disse…
Oi Vovó Neuza, adorei a sua narrativa!
Tenho 18 anos e moro no Brás desde que eu nasci. Moro na Benjamim de Oliveira, estudei no Romão Puiggari e frequento a igreja Bom Jesus do Brás, todos citados em seu texto.
Fiquei muito feliz.
Beijos.

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