ENTRE BOLAS, BONECAS E SOLDADINHOS DE CHUMBO
Hoje me surpreendi quando preparando textos para um encontro de Resgate de Memórias em Idosos, encontrei perdido no Desktop o que escrevi em 2006. Quatro anos são passados, havia me esquecido do texto que escrevi para um dos muitos cursos da Universidade Aberta à Terceira idade, Narrativas da
Ainda se ouve:
Debaixo de uma sacada
O cravo ficou ferido
E a rosa despedaçada “.
ou então
“Ciranda cirandinha
Vamos todos cirandar
Uma volta meia volta
Volta e meia vamos dar”
Quem não gosta de cantar ou já se cansou, brinca de Lenço atrás, Passa anel, Passa passa três vezes ou outra das muitas brincadeiras que fazem parte do mundo encantado da infância e que passam de geração a geração. Há o grupo das “comadres” que com suas bonecas constroem o seu mundo de relações, de atividades domesticas usando mais do que tudo, a imaginação. Brigam por elas como Olavo Bilac escreveu em um singelo poema A BONECA
Com que inda há pouco brincavam
Por causa de uma boneca
Duas meninas brigaram.
Dizia a primeira “É minha”
- “É minha” a outra gritava;
e nenhuma se continha
nem a boneca largava
Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda roupa estraçalhada
E amarrotada a carinha
Tanto puxaram por ela
Que a pobre rasgou-se ao meio
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.
E, ao fim de tanta fadiga
Voltando à bola e à peteca
Ambas, por causa da briga
Ficaram sem a boneca...
Na mesma rua, dividindo o espaço, levantando a poeira da rua, um grupo de meninos descalços chuta uma bola de meia já esfarrapada, mostrando suas entranhas de papel, ou pano picado, em um “campo” minúsculo com tijolos demarcando o gol. Quando dá, colocam varas verticais como traves, mais visíveis. Não há numero certo de participantes, não há regras muitas bem definidas, mas a disputa à posse da bola é acirrada e vez por outra se ouve, misturando-se aos cantos das meninas um GOLLLLLLLLLLLLLLLLLLLL
Em uma das casas, um menino doente que se cansou de assistir a pelada na janela, vai dar asas à sua imaginação com o seu batalhão de soldadinhos de chumbo. Vai imaginar batalhas, ataques e defesas. Também vai brincar como pode. E, não tenha ele soldadinhos de chumbo, vai usar a imaginação.
Mas, ainda tinha dúvidas. Enquanto isso estava organizando a parte teórica.Sabe que isso é importante e pesquisou muito. O assunto é abrangente e muita gente boa escreveu sobre isso.
Diz Johan Huizinga*:
Se considerarmos que brincar é a ação do “homo ludens”, que é parte do ser humano integral, além do desenvolvimento físico e intelectual, o brincar favorece o desenvolvimento dos vínculos afetivos e sociais positivos, condição única para que possamos viver em grupo. Brincar ultrapassa os limites de atividade física ou biológica, supera as imediatas necessidades da vida e implica a presença de um elemento não material – uma alegria que vem não pelo consumo de objetos, mas pelo alegre jogo com eles. É fato mais velho que a cultura.
O ato de brincar é importante, é terapêutico, é prazeroso, e o prazer é ponto fundamental da essência do equilíbrio humano. No brincar, ocorre um processo de troca, partilha, confronto e negociação, gerando momentos de desequilíbrio e equilíbrio, e propiciando novas conquistas individuais e coletivas. Constatamos, então, que a ação de brincar é fonte de prazer e ao mesmo tempo, de conhecimento.
Maria Lucia já escreveu, reescreveu, cortou frases, mudou conteúdos, mas ainda não está satisfeita. Escrever é um trabalho que nem sempre é simples.
Toda uma família resolveu passá-lo juntos e dar às crianças a oportunidade de convivências mais próximas do que o cotidiano permite. Maria Lúcia e Raul tem dois filhos, Júlia e Paulo que afortunadamente se casaram com outros dois irmãos Lia e Pedro. Júlia e Pedro têm três filhos: dois meninos, Bruno e Tiago e uma menina, Laura. Lia e Paulo também tem três filhos, duas meninas Lívia e Lucia e um menino, André. As idades são as, mais variadas, de quatro a quinze anos.
E vai também a Cida, a “santa” Cida. Ela está com a família há anos sempre bem humorada, sempre participando de tudo, sempre colaborando.Com os outros avós das crianças, estão na casa 15 pessoas.
Não se tem mais o costume de fazer isso. Só na escola é que as crianças ouvem histórias. Foi-se o tempo em que sem televisão, os pais liam livros de histórias, dramatizavam. Quantas Brancas de Neve, Belas Adormecidas, Aladins, Pequenos Polegares, povoaram os sonhos das crianças de então.
Na sala grande, sentados em roda com os pais e os avós participando, as necessárias pipocas distribuídas, os bolinhos de chuva que as avós fizeram, começam o que poderíamos chamar de atividade lúdica.
- Meninas – diz Júlia – de que brincadeiras vocês se lembram?
Laura, a mais falante diz: Amarelinha, Lenço atrás, Passa anel, brincar de boneca, brincar de casinha...
Lívia completa – Peteca, Cama de gato, Cinco pedrinhas, Pegador, Comadre...
E os meninos: Empinar pipa, Chicote queimado, Pular sela, Pé de lata...
- Vocês sabiam que os brinquedos e brincadeiras tem nomes diferentes em lugares diferentes? A amarelinha também é chamada de pula macaca, riscadinha, e que há gravuras com idade de mais de 200 anos com pessoas pulando a figura que se risca no chão. Os chineses e ingleses de hoje também sabem brincar de Amarelinha.
Lia agora quer contar a história das cinco pedrinhas, também chamadas de cinco Marias, saquinhos, almofadinhas.
- As cinco Marias são pedras ou saquinhos cheios de areia, feijão ou arroz, substitutos de uma brincadeira de antigos gregos que usavam ossinhos de carneiro. Joga-se uma pedra ou saquinho para cima e enquanto ele está no ar procura-se recolher as que ficaram no chão. Quem pegar as quatro já ganhou. No Amazonas as peças são 12 e são pedaços de tijolos ou telhas.
- O que é cama de gato – pergunta Tiago
- A gente usa um barbante com as pontas amarradas. Segurando-o com as duas mãos, trança o fio entre os dedos para formar desenho. Pegue um barbante Bruno que eu ensino. Soube que quem o inventou foram as meninas esquimós que tem que passar todo o inverno dentro do Iglu.
- O que é um Iglu, mãe?
- É a casa de gelo dos esquimós, gente que mora no pólo da terra, no cucuruto do mundo. O gelo é a coisa mais quente que eles tem por lá. A vida deles é uma boa história para se contar em um outro dia de chuva.
Pedro e Paulo resolvem intercalar brincadeiras e brinquedos de meninos para que eles também participem
- André, de que brinquedos você se lembra?
- Pião, iô-iô , papagaio, bolinhas de gude, bibloque, estilingue, queimada, peteca, pé de lata, diabolô. E bola é claro.
- Eu quero saber das bolinhas de gude – diz Tiago
- As bolinhas de gude devem ter sido inventadas junto com os piões porque tem também de mais de 5 mil anos. Na Grécia antiga, castanhas e azeitonas substituíam as bolinhas de vidro. No Brasil chegou com os portugueses. Posso falar também das pipas ou quadrados, ou pandorgas, ou papagaio. Lembram-se quantas nós fizemos principalmente nos meses de agosto quando os ventos ajudam a empinar? É um brinquedo barato e com uma folha de papel de seda e varetas de bambu, temos um papagaio pronto. Antigamente usava-se cola feita com farinha de trigo cozida em água fervendo. Ou goma arábica. Ambas fediam muito. A gente punha a rabiola ou cauda, feita com tiras de papel de seda ou de pano. Era uma arte fazer rabiolas diferentes. Além de brinquedo era um jogo quando os meninos procuravam derrubar o papagaio do outro por meio de manobras muito pessoais. Mas, deve-se ter cuidado. Alguns meninos colocam cerol na cauda e isso pode ser perigoso. Se enrolam no pescoço de alguém, pode até matar. Dizem que os portugueses aprenderam a fazer e usar pipas com os chineses por volta do ano de 1500.
- O estilingue todo mundo conhece não? É um brinquedo fácil de fazer. Um galho de árvore em V, elásticos que podem ser tiras de pneus e um pedaço de couro. Usam-se pedras que se pode atirar bem longe. Moleques de roça usam para matar passarinhos. Mas, se não for usado com cuidado é perigoso. Eu fiz muitos estilingues quando era menino e morava no interior.
Tem também o Bilboquê (ou bibloquê ou boloque) um brinquedo de treino. Agora são feitos de uma bola de madeira com um furo por onde passa um barbante tendo na ponta um pino mais fino do que o furo. É difícil de encontrar e às vezes se encontra nos camelôs, feitos por artezãos. Outro dia quase comprei um, mas me distrai e quando quis pegá-lo outro já o tinha comprado. Para jogar, você tem que colocar o pino dentro do furo com um impulso da bola. Vocês podem fazer um bibloquê com latas vazias e até pedaços de garrafas de plásticos.
André, o mais velho, interrompe dizendo: soldadinhos de chumbo não têm mais. Alguns apareceram em plástico, mas logo deram lugar aos bonecos maiores de super heróis. Eu tive muitos. Eram fáceis de segurar, coloridos e dava para inventar muitas aventuras com eles.
- E Peteca? Vcs nunca jogaram peteca? No meu tempo elas eram tão lindas, com penas coloridas. É um brinquedo brasileiro que os índios já jogavam antes mesmo do Pedro Álvares Cabral ter chegado aqui. Faziam petecas com palha de milho, areia e penas de galinha.
– Mãe, diz Paulo, desde 1985 as petecas são feitas de couro ou rodelas de borracha e com quatro penas de peru. Hoje é esporte oficial e é uma competição que segue regras. A peteca oficial deve ser de couro maciço, cheia serragem medindo o seu corpo 8cm com peso de 75 a 80 gramas. Os jogos têm cinco elementos de cada lado de uma rede. É muito parecido com o vôlei. Qualquer dia destes vou comprar uma peteca para podermos jogar. Agora há petecas modernas, coloridas e com novo designer .
Mas antes que eles comecem e que os meninos sabem que se empolgarão Bruno pede: - Pai, fala um pouco do Lego. E também você não falou nada das Bicicletas nem do Autorama que vc guarda no seu armário e que nunca me deixou brincar.
- Bem, como ele é vocês sabem porque sempre brincaram muito com ele. Quem inventou foi um dinamarquês Ole Christiansen e apaareceu no mercado em 1950. O seu nome vem de Leg = brincar e Godt = jogar bem. Crianças, jovens, adultos ou até velhos gostam de Lego porque é muito criativo. É usado nas escolas e agora usam em hospitais para distrair crianças doentes. No mundo interio há verdadeira curiosidades feitas com Lego. Na Dinamarca há a Cidade do Lego feita com 5,5 milhões de peças e tem tudo o que uma cidade tem. Deve ser lindo.
- A bola é o brinquedo mais antigo do mundo. Acho que tem mais de seis mil anos. Puxa, apareceu antes do pião e das bolinhas de gude. Há bolas de muitos materiais e é um brinquedo tipicamente masculino. (Acho que está inserido no DNA do cromossomo Y dos meninos - pensa mas não diz. Eles ainda não entenderiam)
Há muitos jogos com bola, mas o futebol o mais popular, o mais espalhado pelo mundo inteiro e é jogado por todas as raças, cores, idades. e classes sociais. É um esporte universal.
Mas, não vamos falar nada sobre ele. Afinal tudo o que tinha que ser dito jornais e televisões disseram. Faz pouco tempo aconteceu a Copa Mundial de Futebol. Vocês já sabem de tudo.
Mas, vou falar um pouco dos álbuns de figurinhas. No tempo dos vovôs, as figurinhas vinham embrulhadas em balas de péssima qualidade. Mas, ninguém importava com elas O que a molecada queria eram as figurinhas para completar o álbum. E se colava com cola de farinha de trigo (a mesma com que fa gente fazia balões e pipas). Os álbuns ficavam altos, grossos, pesados e acabavam cheirando mal. Não é mesmo papai?
- É mesmo, responde Raul, um dos avós. Hoje é uma moleza. As figurinhas são autocolantes e não dão trabalho. E são muito mais bonitas. Além de coloridas, são brilhantes.
- E com as figurinhas nasceu outra brincadeira de moleques; o bafo. Com a mão em concha sobre um monte de figurinhas, procurava-se conseguir algumas levantando a mão rapidamente. O ar se desloca e vira algumas figurinhas que ficam para quem bateu o bafo Acho que vocês ainda hoje fazem isso no intervalo das aulas, não é?
E tem mais o Futebol de Botão ou Futebol de Mesa. Verdadeira febre que formou clubes. É o esporte que mais títulos deu ao Palmeiras nos últimos 19 anos.
É o esporte que atazanava a vida de mães que viam seus pirralhos (entre eles o pirralho-pai) riscarem os tampos de suas mesas de jantar, fazendo as marcas do campo. Usavam botões de camisa, calças, cuecas ou tampas de relógios de pulso.
Orgulhosa de poder compartilhar com os netos aquilo que pesquisou e aprendeu, Maria Lucia logo responde:
- Oficialmente considera-se que o Futebol de Botão foi criado no Brasil entre 1922 e 1929 por Geraldo Carneiro Dècourt estudante do Colégio Albridge em Niterói (Rio de Janeiro) . A garotada usava botões que tirava de seus uniformes de colégio e era comum andarem segurando as calças. O jogo foi proibido dentro do colégio, mas continuou a ser praticado em casa e as cuecas e calças eram as atacadas. Hoje é um jogo de regras, mas não há juiz. Se há uma regra especifica para a saída da bola pela linha de fundo, não há necessidade de juiz. .
Lia conta
- As primeiras estatuetas de barro podem ter sido feitas pelo homem há 40 mil anos, e serviam em acontecimentos religiosos. Podiam ser feitas de barro ou de madeira. Passaram de ídolos religiosos para brinquedos no Egito, há cinco mil anos. A primeira fábrica de bonecas foi na Alemanha de 1413 . A Alemanha, onde se realizou a copa mundial de futebol deste ano.
As bonecas, até 1930, eram feitas de pano com enchimento de serragem, massa de papel maché, papelão, eram muito pesadas e desmanchavam; ou eram de porcelana, e quebravam com facilidade.
Cida, sempre atenta, sempre participante, entra na conversa : - Eu tinha mais ou menos uns 7 anos - acho que era 1957 - quando ganhei uma boneca de papelão. Grande, bonita, como um bebê de plástico. Esqueci na chuva e só ficou um monte de papel molhado e esparramado no chão.
Depois, foi o tempo das bonecas de celulóide. A vovó deve ter tido o seu bebê de celulóide. Pergunte a ela.
A avó toda emocionada se lembra:
- Eram lindas. Pareciam uma criança de verdade. Até a cor, meio rosada lembrava uma criança. Mas eram duras.Era só apertar forte que elas amassavam e ficavam feias. Nisso não se pareciam com os de hoje, em que o plástico é flexível e permite muitos movimentos. Havia bebês de todos os tamanhos, mas os preferidos eram aqueles que tinham o tamanho de um bebê mesmo. E nós fazíamos roupinhas ou então usávamos fraldas, cueiros, camisinhas, macacões, casaquinhos e toucas das crianças novas da família. E os embalávamos cantando canções de ninar. Era como um preparativo para a nossa maternidade futura. Hoje, as bonecas são muito sofisticadas. Feitas de plástico, cabelos enraizados, falam, cantam, dançam, andam de patins e bicicleta, choram, dormem...
- Eu tenho várias, diz Laura.
- Você sabia que ela é uma boneca diferente porque tem o corpo com que toda adolescente sonha? A primeira apareceu em 1959, vai mudando com o tempo e com a moda. Já foi vestida pelos mais famosos estilistas. Já teve 80 profissões diferentes, sempre com roupas típicas da profissão. Tem Barbie de cadeira de rodas, Barbie bailarina, Barbie princesa da África, Barbie Rainha da Inglaterra...São quase sempre lançadas nas versões loura e morena. Já até lhe deram um namorado, Ken. Há fanáticos colecionadores de Barbies. Mas, Barbie está perdendo terreno para Samanta lançada em 1986. Seja Barbie ou Samanta, sabiam que em Nova York, na Quinta Avenida um salão de beleza de três andares, para bonecas terem seus cabelos penteados em trancinhas (US$10,00) ou rabos de cavalo (US$20,00). Há filas de meninas para serem atendidas.
Maria Lúcia, agora expert no assunto reforça:
Bonecas não devem vir com nome próprio, deixando em aberto a imaginação da criança colocar-lhe seu nome preferido. Conheci uma menina que tinha uma boneca de pano negrinha, sua preferida a quem ela chamava de Penhinha porque era da cor de sua babá Penha.
Mãe – diz Laura - você esqueceu de falar nos bichinhos de pelúcia que fazem a nossa alegria. Dormem conosco como companhia e até os namorados dão pras namoradas. São gostosuras. Eu tenho tantos, uma coleção. E Lívia também.
- Eu acho que os videogames são passagem do brincar ao jogar. Mas, ainda é a imaginação pessoal que tem mais força. Um adolescente que joga com games, escolhe aquelas histórias e personagens que tenham relação com seus desejos e fantasias.
Comentários
parabéns pelo blog e pelo post...
beijos
Leca
Adorei seu blog.
É uma nostalgia gostosa, lembrar-me de uma das músicas que mais cantei, quando criança: O CRAVO BRIGOU COM A ROSA...
DEBAIXO, DE UMA ROSEIRA...
O CRAVO SAIU FERIDO...
A brincadeira de passar o anel também, é de dar um nó na garganta!
Um grande abraço, amiga.