São Paulo Anos 30
Copiado (na integra) de um artigo da Rotogravura do Estado de São Paulo em meados dos anos 30 (grafia da época)

A Dactilographa - Figura do século

O famoso Keyserling que como tantas outras notabilidades mundiaes, fez tambem sua pequena “tourné” pela América do Sul diz, num dos seus mais suggestivos estudos, que cada civilização e cada época tem tido o seu typo especialmente representativo.

Nos tempos da Grécia heróica, esse typo foi o bardo, cantador de mythos e epopéas. Na Roma dominadora foi o César triumphante e dictador. Na Edade Média, o cavalleiro andante; na Renascença o artista;no século XVIII o pregador de doutrinas sociaes;no século XIX o burguês ennobrecido pelo comércio e pela indústria.

Nos nossos tempos, diz elle, é o conductor de machinas, sejam ellas a locomotiva, o avião ou o automóvel, O automóvel principalmente, que é a Machina que todos conhecem, sentem, querem e admiram, encerrando-se nella todo o significado da nossa cultura motorisada.

Keyserling terá razão talvez, para os que não passam da superficialidade das coisas. Para os que tem visão profunda, porém, não é o conductor das machinas de locomoção o typo especial da nossa era, como não é o automóvel a machina que ultimamente mais e melhor influe nos destinos humanos.

A grande figura do século XX, a real novidade que elle nos trouxe, é a Dactylographa, como dactylographa se entendendo não apenas a simples moça que bate os dedos num teclado de lettras, mas tambem a stenographa, a archivista, a contadora, a jornalista, a chefe de escriptorio, todas as mulheres, emfim, que penetram nos escriptorios a sombra amiga da “typewriter”.

Foi essa machina que deu ao elemento feminino o trabalho mental de qualidade. Foi ella que a investiu de um estatuto econômico novo, permitindo-lhe não só ter dinheiro, o que era simples acaso dos dotes e das heranças, mas também e principalmente “ganhar dinheiro”, o que é uma resultante do esforço e da capacidade próprios.

Antes da machina de escrever a mulher apenas podia pretender os mais rudimentares trabalhos de pura repetição, tarefas inferiores que constituem actividades meramente quantitativas, pondo-a em situação de menor ou de tutelada. Com a “typewriter”, porem, a mulher nivela-se ao homem na esphera da efficiencia mental. Nivela-se tanto e tão bem que em muitos casos chegou – e acima de tudo está chegando – a provocar uma completa alteração dos clássicos valores sexo-sociaes. Hoje uma dactylographa alcança, muitas vezes, ordenado bem superior ao de um dactylographo ou ao de qualquer outro empregado de escriptorio e nesses casos ficam fatalmente subvertidos os conceitos tradicionaes do amor. Perante o homem que produz, ella já não é mais uma simples consumidora e sim tambem uma productora, não raro melhor do que elle. Em frente do Patriarcha que tudo dava e tudo queria porque era o único a ganhar, ella pode agora erguer o seu voto econômico, pode falar no “meu dinheiro”, que ninguém lhe deu, mas sim ela própria ganhou.

Ninguém contesta, assim, que a mulher que ganha bem graças à machina de escrever, não mais olha para o homem que ganha menos ou egual com a mesma veneração submissa com que o fazia aquella para quem o casamento era a grande carreira, o Emprego Único. O homem perde deste modo, a sua superioridade econômica, a que menos a mulher discutia e impugnava, pois que elle deixou de ser a creatura única que ganhava e podia ganhar dinheiro. De agora em diante a mulher tem o estatuto econômico próprio, base de todas as independências, podendo –e querendo- ser ella tambem a Dona da Casa ou o Chefe da Família.

Tudo isto ella o deve à “typewriter”, a machininha que custa menos , muito menos do que o automóvel, o avião, e a locomotiva, nas quaes o piloto continua, realmente a ser o homem que guiava o cavallo ou que dirigia o coche, ao passo que com a “typewriter” a mulher tem uma arma que é uma alavanca. E que é uma escada, tambem, destruindo o desnível secular, criando um desnível novo, que traz no seu bojo a maior revolução da humanidade, porque está sendo a renovação operada no intercambio dos sexos.
A. R. Netto

Comentários

Anônimo disse…
Realmente uma grande constatação que vai além de dominar simplesmente a máquina, o que possibilitou à mulher "iniciar-se" no mundo que era só "deles." E quem não se lembra da primeira lição de datilografia? ASDFG... Hoje os bebês já nascem digitando, o que não significa necessáriamente que dominarão tudo, seja de que sexo for. Mas naquela época, seguramente, foram as moças dos escritórios, com precisos tec tec de suas pesadas e barulhentas máquinas que possibilitaram abrir caminho...
Anônimo disse…
Olá vovó Neuza! :)
Encontrei seu blog através de uma reportagem publicada na Folha Online há algumas semanas e fiquei encantado. Gostei muito da forma terna e tão agradável a que escreve. Sou deficiente visual e acompanhei algumas postagens antigas suas, onde são descritas algumas flores, árvores, jardins, e realmente sua maneira tão detalhista e bonita de descrever tudo, fez com que eu me sentisse lá, mais próximo dessa natureza tão rara. Também parabenizo pelos artigos sobre a cidade de São Paulo e as curiosidades desta. Não moro aí mas sou natural desse estado, pelo que também gosto muito desta capital e sempre que posso, faço uma visita a SP.
Por fim, deixo meu sincero OBRIGADO por manter esse espaço tão maravilhoso!
Um grande e fraterno abraço.
Karen Kipnis disse…
Querida Neuza: faz tempo que não entrava no seu blog e literalmente chorei ao ver todo espaço e voz que a interface para blogagem (ferramenta que passamos a usar na oficina de leitura e escrita para o cotidiano- Escrevivendo) te faz alcançar!!

Aproveito e divulgo o nosso Escrevivendo, sempre aberto a novos escreviventes. Há três anos na Casa das Rosas- Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura-,agora acontece também no Museu da Língua Portuguesa( Neuza ministra às quartas-feiras).

Muitos destes textos foram produzidos e motivados em nossos encontros, inclusive o "Quem sou eu", que ficou ótimo!!

Para quem quiser conhecer melhor nossa oficina (sábados):
www.escrevivente.blogspot.com
www.escrevivendomemorias.blogspot.com
www.escrevivendoeros.blogspot.com

Parabéns Neuzita!!e 'vamosquevamos'.
Karen kipnis
Anônimo disse…
Parabéns! qdo eu crescer(tenho 59 anos) quero ser igual a vc.
Meu blog se chama "uma certa idade" www.zelinha-zelinha.blogspot.com
abr
LilithBoop disse…
Em primeiro lugar: Parabéns pelo blog.
Moro em São Paulo a pouco tempo e ontém criei um blog bastante mau humorado sobre São Paulo, hoje de manhã um colega de trabalho me mostrou a matéria do jornal Folha de São Paulo onde o seu blog foi citado e tive que entrar aqui imediatamente.
Estou maravilhada com o seu blog, gostaria de ter conhecido São Paulo como você conheceu.
Vou adicionar o seu blog na minha lista, quem sabe agora eu possa aprender a amar São Paulo.
Bjo e continue contando suas histórias pra gente ;)
Anônimo disse…
Parabéns!
Gostei muito do seu "Quem sou eu".
Se tiveres oportunidade dê uma chegadinha em www.ldiamante.blogspot.com e verá que temos pontos em comum.
Abraço.
Leonardo
Anônimo disse…
Amei a sua descrição ali do lado... Já ganhou uma fã. Sabe, eu não vou negar, tenho medo do passar dos anos, do que vai acontecer quando eu tiver mais de 7 décadas de vida. Tenho 25 anos e todos me falam que não devo me preocupar com isso agora, mas eu penso muito, sem saber exatamente pq. Eu ainda nao encontrei a "minha missao", se eh que isso existe, e fico a pensar se com o passar do tempo vou encontra-la. Eu fico com medo nao conseguir ser quem eu quero. Eu vejo o tempo passar cada dia com mais rapidez e isso me dá um frio na barriga, tenho medo ver partir aqueles que amo, nao sei acho que preciso parar de pensar e começar a viver.

Um beijo, adorei mesmo tudo o que li.
Kriss - k2monteiro@yahoo.com.br
Descobri seu blog hoje no folha on line e vimlogo ver como era.

Gostei.

Vou recomendar para minha mãe.

Grande abraço.

J Renato
Anônimo disse…
Olá Vovó Neuza! Queria ter uma avó assim viuuuu... rs..

Fiquei sabendo do seu blog pelo sie da Folha On Line, parabéns!!!

Muito bacana mesmo, voltarei sempre!

Grande abraço

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