ABRINDO 2011

Colocar o primeiro post do ano é sempre uma responsabilidade. Sempre se espera da gente alguma coisa nova, prefaciando os próximos que virão.
Como trabalho com Memória, mais propriamente com Resgate de Memória, estou sempre ligada ao assunto.  Encontrei um texto,   e  aqui está ele.


Proust...Carlos Heitor Cony
Já está ficando  lugar comum citar Proust sempre que se fala em resgatar memória. Seu livro “A Procura do Tempo Perdido” parece ser a bíblia  do pessoal que trata do assunto e quase sempre lá estão as “madeleines”,  o chá servido pela tia de Proust e o desenrolar de suas memórias.

Mas, porque não nacionalizar  esse  intróito usando trechos de Carlos Heitor Cony em seu livro “Quase Memória Quase romance.”

Ele parte de um embrulho recebido e então, através dos sentidos vai compondo a história do pai.
“A principio a letra. A letra e o modo. Só o pai faria aquelas dobras no papel, só ele daria aquele nó no barbante ordinário, só ele escreveria meu nome daquela maneira, acrescentando a função que também era a sua.
...Até mesmo o cheiro – pois o envelope tinha um cheiro – era o cheiro dele, de fumo e água de alfazema que gostava de usar, metade por vaidade, metade por acreditar que a alfazema cortava o mau olhado.”

“E a letra característica, só dele, a maneira de subscritar traz toda uma lembrança  do pai, e acontecimentos ligados à cartas que ele recebia no período do Seminário.”

“Começo a sentir, dentro do cheiro maior outros cheiros menores que identifico como dele, embora em escala diferente.  Um cheiro vivo mas distante da brilhantina que ele usava, um potezinho pequeno e redondo com bonito rótulo dourado. Não esqueci o cheiro, mas não lembro o nome, era francês, talvez Origan, de Gally, qualquer coisa parecida. “ Lembrou-se depois que era Emeraude de Coty. (liga-se isso a fábrica de perfume do pai)

“E ao sentir agora , tantos anos depois, esse cheiro de brilhantina percebo que me incomoda aqui dentro outra lembrança e que também tem tudo a ver com ele .” ( a história do pote de brilhantina no enxoval para o Seminário)

“ Dois cheiros tão diferentes e distantes deviam me alertar para o terceiro. Além do mais próximo (alfazema) do outro mais distante (brilhantina), havia mais um. De inicio foi difícil de identifica-lo. Ao olhar uma das dobras do papel que embrulhava o pacote – ele me veio forte, límpido, total: manga “ ( o episódio da queda do pai de um pé de manga no cemitério)

“E havia sobretudo o nó. Perfeito, justo, obra de arte que só o pai era capaz........simétrico, sem uma laçada a mais ou a menos.”

“O nó era dado com uma só mão, que não se cruzava com a outra. Uma pessoa normal, na hora de dar o nó, precisa às vezes de uma terceira mão, para firmar as duas linhas do barbante junto ao embrulho,e assim dar a laçada final. O nó do marinheiro holandês (o do meu pai)  exigia concentração e, sobretudo, equilíbrio, pois a mão precisava ficar perpendicular ao centro geográfico do nó  - sem esse detalhe crucial nada poderia ser feito. Exigia também um movimento preciso e circular na hora decisiva, a fim de dar ao barbante a curvatura através da qual passaria a outra ponta.  Sem esses cuidados, seria impossível obter um nó perfeito, justo, indesatável.”
.........”Sinto até o seu jeito de prender a respiração no momento de apertar o nó, como se domasse um animal minúsculo, mas rebelde, que exigia energia e moral para ser domesticado”.
                                               Carlos Heitor Cony -   Quase memória - Companhia das Letras - 1995

Comentários

Blog do Fer disse…
Feliz Ano Novo Vovó Neuza! Muita paz, saúde e sucesso. E claro, muitos posts aqui no blog.

Grande beijo!

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